quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Resenha do "Juca Peralta"

O poeta Silas Correa Leite publicou uma bela resenha do romance de Sérgio Mudado, Os negócios extraordinários de um certo Juca Peralta.
O resenhista destaca alguns aspectos da narrativa para concluir que considera o romance como "fora de série", "extraordinário" [isso nós mesmos já dissemos no título...], "estupendo", "obra-prima" e outros exageros.
Não vamos discordar do resenhista, afinal gostamos do livro. Tanto que lemos em primeira mão e publicamos o calhamaço. Somos comedidos com auto-elogios, mas também não vamos brigar com quem nos elogia...

Sérgio Mudado é um grande contador de histórias (pessoalmente, em livro ou na internet) e sabe como poucos costurar uma boa narrativa. Se a voga atual são os textos curtos (quase pílulas), Sérgio vai na contramão: seus dois romances mais recentes são calhamaços de mais de 400 páginas. Feliz do leitor que se anima! Quem não se animar, bem... como disse o Milorad Pavitch, "Aqui jaz o leitor que jamais lerá este livro. Aqui ele está morto para sempre".

A resenha completa pode ser lida no blogue do Sérgio Mudado ou no Overmundo.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Leitores e livrarias

Na minha experiência como livreiro, umas das maiores satisfações é poder conversar com pessoas que gostam de livros. De quaisquer livros, mesmo aqueles com os quais não lido profissionalmente. Quem gosta de livro sabe como é bom falar sobre livros antes e depois de lê-los. [Durante a leitura, não. Aí é preciso um pouco de isolamento. No máximo a leitura de trechos para bons ouvintes. Mas esses são raros.]

Coisa curiosa é a dificuldade que os leitores têm para encontrar interlocutores em livrarias. Aqueles que procuram uma livraria para conhecer, escolher, falar sobre e até mesmo comprar um livro ficam numa posição complicada.

Cheguei à seguinte conclusão: o livreiro é o único setor de comércio ou serviços em que o consumidor entende muito mais do que o vendedor. As exceções só confirmam o fato.

Em um restaurante, mesmo o garçon sabe explicar em detalhes o preparo de cada prato. Numa concessionária de veículos, o sujeito fala até babar sobre todas as particularidades dos carros existentes ou ainda por fabricar. Uma loja de roupas ou de cosméticos é uma consultoria de moda e cuidados pessoais. Lojas de material para construção mantêm atendentes que sabem mais detalhes sobre sua casa do que você jamais pensou.

Mas o leitor que entra numa livraria precisa saber se virar sozinho. E evitar ser atrapalhado por um atendente. Se pedir um exemplar da "Poética" de Aristóteles pode receber a seguinte resposta: "Aristóteles de quê? Nosso cadastro é pelo sobrenome do autor."
[Isso não é piada, mas transcrição fiel da resposta que recebi de atendente de distribuidora de livros.]

Os atendentes da grande maioria das livrarias no Brasil têm uma curiosa característica: não são leitores. E não digo que não são leitores sofisticados. Não, simplesmente não têm o hábito de ler. Não têm curiosidade em conhecer o produto com o qual trabalham.

Nas distribuidoras de livros acontece o mesmo. Mesmo nas editoras a realidade não é muito diferente, descontada a área de produção editorial: quem trabalha na área comercial ou administrativa não conhece o produto que a empresa oferece aos seus consumidores.

Qual o motivo para esse desencontro entre quem procura e quem oferece livros? Baixo nível de escolaridade dos trabalhadores da base do mercado editorial-livreiro? Baixos salários, que não atraem pessoas com melhor formação? Falta de interesse das empresas para selecionar pessoas que gostam do produto que comercializam? "Mundices da lua" de quem gosta de livro, que não pensa em mudar de lado do balcão?

Talvez um pouco disso tudo e outras coisas mais. O sucesso de livrarias que investem na formação de atendentes-leitores e no recrutamento de leitores para atuarem como atendentes mostra que há soluções possíveis.

O comércio eletrônico de livros acaba funcionando como uma forma de auto-serviço, em que o leitor depende menos do atendimento. Mas também tem lá suas armadilhas, pois depende do correto cadastramento dos dados do livro pelo vendedor.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Rompendo o silêncio: Quintiliano


Marcus Fabius Quintilianus nasceu na província da Hispania por volta do ano 35 da era comum, tendo vivido em um dos momentos mais instáveis do Império fundado por Augusto. Já iam longe os dias de Cícero, quando era missão do orador denunciar os inimigos do povo romano. No novo Estado absolutista não havia lugar para a liberdade. O Imperador Domiciano se auto-intitulara censor perpetuus e nessa qualidade perseguia todos aqueles suspeitos de questionar sua autoridade. No entanto, Quintiliano – um ardente admirador de Cícero e da Velha República – não apenas escapou da sanha assassina de vários Imperadores, como também galgou altos postos no Estado, tendo sido cônsul sob Vespasiano e tutor de príncipes da Casa Imperial, além de ter dirigido uma escola pública de Retórica em Roma, da qual foram alunos Plínio, o jovem, e possivelmente Tácito. Como Quintiliano conseguiu realizar tais façanhas? Talvez a resposta esteja na sua obra Institutio Oratoria. Nela Quintiliano enfatiza os aspectos técnicos de uma disciplina que parecia não ter utilidade num Estado em que se ouvia uma única voz: a do Imperador. Todavia, isso é só a superfície do texto plural de Quintiliano. Se soubermos ouvir a sua voz – a tal nos convida Antônio Martinez de Rezende –, descobriremos, para além dos aspectos técnicos do tratado, o profundo compromisso de Quintiliano com a educação, pois formar um bom orador significa formar um bom homem. Nessa mesma linha, a aposta de Quintiliano em uma elocução clara e desprovida de ornamentação pode ser lida como um desafio à época, na qual a linguagem floreada da moda servia somente para a lisonja do Imperador – pensemos aqui em Sêneca, preceptor do jovem Nero – e não para a busca da verdade. Muitos acusam Quintiliano de construir quimeras ao propor o ideal humanista do perfeito orador, a um só tempo virtuoso e competente em sua arte e, por isso mesmo, impensável na nossa realidade mesquinha. Respondamo-los: a utopia não é um modo de chegar, mas sim de continuar caminhando. Num universo que tende para o caos, não é pequena a aventura daqueles que tentam fundar a ordem em meio à desordem, ou, falando em termos gregos, revelar a verdade que se esconde nas dobras da aparência. Separados por cerca de vinte séculos, dois desses aventureiros agora se encontram neste livro: Quintiliano e Antônio Martinez de Rezende, sobre quem muito poderia ser dito. Sua gentileza acadêmica e seu domínio completo da língua em que cantou Virgílio já são proverbiais. Enfatizo assim outra característica do Professor Martinez, que me espanta sempre que me deparo com seus textos e que não deixa de ser mais um ponto de contato com Quintiliano. Refiro-me à elegância e à singeleza da sua escrita, qualidades que raramente vão unidas no discurso acadêmico e que, não obstante, se mostram tão necessárias. Afinal, como ensinou Ortega y Gasset, a clareza é a cortesia do filósofo.

Andityas Soares de Moura