quinta-feira, 18 de novembro de 2010

DH Lawrence e a tuberculose


“Não foi Nietzsche quem chamou o homem de ‘animal doente’? E não quis dizer, com isso, que o homem é mais que animal, quando está doente? Ou seja, quanto mais doente estiver, será homem em grau mais alto. E que o gênio da doença é mais humano do que o da saúde.” Palavras de Thomas Mann, o vento norte que (como negar?) enfuna as velas da minha pequena embarcação. Assim enfunado, na terceira parte de Os negócios extraordinários de um certo Juca Peralta, passada dentro de um sanatório, criei um personagem, o Fanadinho, um jovem judeu acometido de tuberculose no último grau. Tal qual o Ipollit, de O Idiota, de Dostoievski: ambos personagens condenados à morte por seus autores através da peçonha da velha Senhora, a tuberculose pulmonar. Esse Fanadinho, atazanado como eu pela relação entre a transitoriedade e o processo criativo, cria uma esdrúxula teoria, denominada Gaffky Oito. E que diabo vem a ser isso? Ora, a escala de Gafkky, que varia de 1 a 9, mede, em laboratório, o número de bacilos contidos numa amostra de escarro do tuberculoso. O leitor de A montanha mágica conhece muito bem o Gaffky, os pacientes do Berghof viviam assombrados por ele. Mas retomemos. Fanadinho supunha que ao se atingir o nível 8 desta escala, o doente seria intoxicado por uma espécie de linfa criativa, de cálida natureza e de extraordinária propriedade, produzida e disseminada a partir dos focos das destruições pulmonares promovidas pela doença. Tal linfa, indo banhar os centros superiores, o delicado parênquima nervoso, proporcionaria enlevos sobre-humanos. Assim iluminado, o tísico produzia sua bela obra. Se quiserem conhecer alguns artistas célebres que, presumidamente, enquadraram-se na teoria do Gafkky Oito e foram geniais, leiam o Juca. Nele, tudo isto é revelado, com detalhes picantes, o que deixará vocês pasmados.
No entanto, toda esta peroração tem um motivo mais importante, e este se chama O livro luminoso da vida (Escritos sobre literatura e arte), de D.H. Lawrence, numa primorosa seleção e tradução do Mário Alves Coutinho, da Editora Crisálida. Lawrence, com os pulmões carcomidos pela tuberculose (Gakffy 8, com certeza) discorre, com beleza e vigor, sobre autores e temas que lhe são caros. “O romance é o livro luminoso e pode fazer o homem vivo estremecer inteiro.”, diz Lawrence.
É verdade.
E é imperdível. 
[Sérgio Mudado, no seu blogue]