segunda-feira, 15 de março de 2010

Escrever com a Câmera: Godard

Acaba de ser publicado pela Crisálida o livro de Mário Alves Coutinho sobre Jean-Luc Godard. Primeiro livro escrito por um brasileiro sobre o cineasta francês, o ensaio pode servir como um guia seus filmes. A análise detalhada de 3 filmes (Alphaville, Pierrot le fou e O desprezo), além da referência a vários outros, fornece uma chave de interpretação ou de apreciação de uma das obras mais influentes do cinema moderno.
Tudo o que você queria saber sobre Godard e não podia perguntar a Blanchot: http://migre.me/oFuP

quarta-feira, 3 de março de 2010

Dia 8 de março - Dia Internacional da Mulher


“O amor, disse alguem, é uma jornada, cujo ponto de partida é o sentimento, e cujo termo inevitavel a sensação. Se isto é verdade, o que ha a fazer, é embelecer a estrada e chegar o mais tarde possivel ao fim. Ora, quem melhor que o homem de espirito sabe parolar á beira do caminho, parar e colher flôres, sentar-se às sombras frescas, recitar aventuras e procurar desvios e delongas? Um caracol de cabellos mal arranjado, um comprimento menos apressado que de costume, um som de voz discordante, uma palavra mal escolhida, tudo lhe é pretexto para demorar os passos e prolongar os prazeres de viagem. Mas quantas mulheres apreciam esses castos manejos, e comprehendem o encanto dessas paradas á borda de uma veia limpida que reflete o céo? Ellas querem o amor, qualquer que seja a sua natureza, e o que tolo lhes offerece é-lhes bastante, por mais insipido que seja.”

[de Queda que as mulheres têm para os tolos, tradução de Machado de Assis, em grafia conforme o original – Editora Crisálida]

segunda-feira, 1 de março de 2010

Reedições de Machado de Assis




Duas obras de Machado de Assis foram reeditadas pela editora Crisálida. A coletânea de prosa e verso Queda que as mulheres têm pelos tolos e outros textos e o emblemático livro de poemas Chrysalidas, com a grafia da edição original. Os dois livros são resenhados nesta edição pelo crítico literário Fernando Py.

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Temos em mãos duas reedições de Machado de Assis: Chrysalidas (Belo Horizonte: Livraria Crisálida Ltda., 2000, 120p.) e Queda que as mulheres têm para os tolos e outros textos (Belo Horizonte: Livraria Crisálida Ltda., 2003, 88p.; pesquisa e organização de Oséias Silas Ferraz). Convém dizer algumas palavras sobre ambos.
A editora reproduz a grafia da edição original de Chrysalidas (1864), primeira coletânea de poesia do nosso Machado; o organizador informa que corrigiu apenas os evidentes erros tipográficos, mantendo rigorosamente o texto da edição princeps. Assim, o leitor terá condições de ler o volume tal como apareceu em vida do autor, pois a presente edição é a única reedição integral de
Chrysalidas que já se fez, sem os cortes e alterações de palavras e versos que Machado operou quando da publicação das Poesias completas (1901).
Ao escrever as 29 peças de
Chrysalidas, Machado de Assis ainda estava preso à poesia romântica; porém seu romantismo se afastava bastante de alguns postulados da escola, pois o poeta já manifestava a tendência de aperfeiçoar a métrica, ou seja, colocava-se numa posição um tanto precursora do nosso Parnasianismo. Utilizando de preferência o verso alexandrino, antecipava uma das constantes dos futuros parnasianos; seu cuidado com a métrica e o comedimento com a expressão que atinge por vezes a elipse, em "Ocidentais" fizeram-no muito respeitado entre os jovens que, desde os anos 1870, buscavam maior rigor tanto na forma como na maneira de expressar-se.
Contudo, Machado era ainda romântico, principalmente no que diz respeito ao sentimento de evasão, tão comum no Romantismo. Poemas como “Visio”, “Stela” e “Horas vivas” são exemplos de fuga para o sonho, ao passo que em “Musa consolatrix” a própria poesia serve-lhe de fuga. De todo modo, a poesia de Machado de Assis, ainda em seus começos, já mostrava uma certa insatisfação diante da realidade, o que só fez acentuar-se com o tempo.
Queda que as mulheres têm para os tolos e outros textos é uma coletânea de prosa variada, findando com o mais perfeito soneto que Machado já escreveu: “A Carolina”, em memória da esposa, falecida em 1904. Os demais textos são artigos de crítica, ensaios e um conto (“Teoria do medalhão”, p. 69). Observe-se que esta edição também respeita a ortografia da época empregada por Machado.
Ao publicar em volume Queda que as mulheres têm para os tolos (1861), o editor deu-o como “tradução do Sr. Machado de Assis”. O fato levantou dúvidas e durante muito tempo houve quem julgasse que o texto era do próprio Machado. Somente no ensaio Machado de Assis traducteur (edição mimeo, s/d., 1970?), o pesquisador francês Jean-Michel Massa consegue provar que a obra é de fato uma tradução de "De l'amour des femmes pour les sots", texto anônimo publicado em 1859 em Liège e em Paris, atribuído a um certo Victor Hénaux. Um dos motivos do engano da crítica sobretudo de Lúcia-Miguel Pereira foi que, segundo ela, a Queda já mostrava, em esboço, a “Teoria do medalhão”, um dos contos mais característicos da última fase de Machado. Contudo, sabemos hoje, aquilo era unicamente uma questão de afinidade...
As peças ensaísticas aqui reunidas estão entre as mais importantes de Machado: “Ideal do crítico”, de 1865, é um pequeno ensaio que aborda as condições necessárias para que se exerça crítica; por sua vez, em “Literatura brasileira Instinto de nacionalidade” (1873), temos um Machado de Assis que buscava examinar em que medida as nossas letras dispunham de um caráter especificamente nacional; ambos os textos mostravam que Machado tinha plena consciência não só do papel do crítico, mas também de que uma das exigências para a nossa literatura seria o que denominava “instinto de nacionalidade”, que a poderia distinguir das demais literaturas do mundo. Na crítica, Machado pode não ter deixado uma obra tão importante como a de sua ficção, mas é evidente que soube situar, desde a juventude, a função primordial do crítico literário.
“Elogio da vaidade” é uma “fantasia”, escrito que lembra Erasmo a partir mesmo do título. Trata-se de uma proposopopéia em que a Vaidade assume a palavra e faz o próprio elogio, chegando por fim à conclusão, aparentemente paradoxal, de que a maior vaidade é a vaidade da modéstia.
De certo modo, isto nos leva ao conto “Teoria do medalhão”: um pai, na noite do aniversário do filho, passa a instruí-lo na maneira de comportar-se em sociedade, ensinando-lhe hábitos, formas de se destacar, “como instrumento de luta para a conquista do prestígio” (
Augusto Meyer. Machado de Assis. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1958, p. 67.). E remata de modo altamente revelador, dizendo que aquela conversa “vale o Príncipe de Macchiavelli” (p.80). É uma peça bem própria de Machado, e está intimamente ligada não apenas ao conto “O espelho”, como quer Augusto Meyer (1958), mas a diversos outros, tornando-se, desse modo, um texto emblemático.
A edição da Crisálida é meritória por mais de uma razão. E não será descabido afirmar que preenche uma lacuna, pelo simples fato de colocar novamente em circulação alguns textos mal conhecidos do maior escritor brasileiro de todos os tempos.

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Fernando Py
é poeta, tradutor e crítico literário.
Texto publicado em: http://migre.me/lPpD
[Texto publicado na versão impressa de Poiésis - Literatura, Pensamento & Arte, nº 110, maio de 2005, pág. 10]


Literatura não tem cor


LITERATURA NÃO TEM COR

Estudo revela “embranquecimento” de Machado de Assis

por Marisa Lajolo

A mulatice de Machado de Assis parece ter passado em branco em muitos estudos literários que acompanham, nesse processo de despigmentação textual, a galeria de fotos do escritor que também o embranquecem, fixando para a posteridade um respeitável senhor de barbas que a contempla com expressão indecifrável. Este embranquecimento de Machado parece articular-se à crença (amparada em algumas teorias) de que a literatura, sobretudo a literatura que se quer com L maiúsculo – a Literatura –, não tem cor nem sexo.
Mas tem: sexo e cor entraram na pauta de vertentes de ponta dos estudos literários. O recente livro de Eduardo Duarte, Machado de Assis afro-descendente (Rio de Janeiro, Belo Horizonte: Pallas/Crisálida, 2007), já nasce, assim, polêmico ao fazer uma releitura da obra do velho bruxo e, a partir dela, montar uma originalíssima antologia. Neste livro a afro-descendência de Machado se textualiza e um novo Machado insinua-se ao leitor, que, fisgado, se espanta com seus botões: como é que eu nunca tinha percebido isso? Com efeito, página após página – crônicas, poemas, contos e fragmentos de romance vão patrocinando uma releitura que vasculha, na obra machadiana, a presença de negros, de negras, de cenários e de assuntos ligados à escravidão.
Ao longo da antologia o leitor se surpreende pelos efeitos de sentido que a vizinhança de textos constrói. Surpreendem-se sobretudo os leitores familiarizados com a obra machadiana: é como se se estivesse contemplando uma galeria de quadros, todos muito conhecidos, mas aos quais o rearranjo confere uma perspectiva completamente nova.
O autor do livro encontra, no estilo do escritor, modos de dizer que representam a expressão formal da mestiçagem. No capítulo final, “Estratégias de caramujo”, um ousado gesto crítico retoma a figura do narrador machadiano e – discutindo-a uma vez mais – atribui a ela o afinamento de voz necessário para discutir negritude com os seletos leitores que, na época de Machado, liam-no nas revistas pelas quais circulavam suas histórias. Informando, ao longo da antologia, o modo de circulação original de cada texto, o livro permite vislumbrar ainda os itinerários que, no sistema literário, percorrem a literatura enquanto materialidade de texto impresso em papel.
O diapasão da voz machadiana é esmiuçado nos diferentes gêneros. O trabalho do autor do livro aloja-se no início em modestos rodapés, tornando-se minucioso e militante no ensaio final. Discute, desde um certo varejo do texto, como o nome de personagens, até aspectos de maior envergadura, como a articulação de grandes blocos narrativos. Na análise, estes blocos criam equilíbrios instigantes que, sugerindo muitas vezes cenas de paralelismo invertido, fazem eclodir no texto a velada violência que pautava o regime escravocrata vigente no Brasil e que talvez persista além da escravidão.
O olhar de Eduardo Duarte vai percorrendo a obra machadiana, contextualizando no modelo brasileiro da escravidão procedimentos textuais de Machado de Assis. Dentre as interpretações do crítico, a mais ousada é a que atribui ao caráter póstumo de Brás Cubas um valor político bastante alto: como diz o livro, Machado mata o senhor de escravos oito anos antes da abolição (p. 277).
Assumindo-se como sujeito de seu texto, o autor dialoga com a tradição crítica mais recente de Machado, optando às vezes por uma forma interrogativa de formular suas hipóteses. Ao alternar-se com interpretações categóricas e com informações que contextualizam o texto machadiano, a retórica da interrogação confere ao leitor uma certa liberdade. Dá-lhe autonomia para sentir-se sócio do autor, já que de sua resposta depende a confirmação (ou a refutação) do raciocínio que lhe está sendo proposto. Esta parceria com os leitores – recurso de que usa e abusa o próprio Machado – é bastante interessante (e muito rara) nos estudos literários.
O ensaio de crítica é um gênero por excelência intertextual e a presença de interrogação nele – ainda que retórica – representa um bem-vindo convite à discussão. Este livro sugere que Machado é, sim, um escritor universal e também um escritor brasileiro. Mas é só a partir deste estudo que se começa a dizer que Machado é um escritor brasileiro negro.


Marisa Lajolo é professora de literatura na Universidade Estadual de Campinas.
Texto publicado em http://revistapesquisa.fapesp.br/index.php?art=4047&bd=3&pg=1
Edição Impressa 137 - julho 2007

Genes não bastam para explicar organização de seres vivos

Historiadora da ciência revê um século de evolução de conceitos em genética

Um século se passou entre a redescoberta dos trabalhos pioneiros em genética de Gregor Mendel (1900) e o anúncio da conclusão do seqüenciamento do genoma humano (2001). Nesse espaço de tempo, o avanço sem precedentes da biologia molecular gerou tanto entusiasmo que muitos cientistas chegaram a acreditar que os grandes mistérios sobre o desenvolvimento da vida haviam sido desvendados. No século 20, o mito segundo o qual a ação dos genes explicaria toda a organização de um ser vivo se tornou famoso no meio científico e na mídia, por tratar com simplicidade fenômenos complexos como as múltiplas funções das proteínas ou o desenvolvimento de um organismo a partir de uma única célula.
No entanto, às vezes, é preciso deixar a euforia de lado e analisar com maior cautela processos que julgamos já ter entendido completamente. Essa análise, proposta no livro O século do gene, nos mostra que ainda temos muito o que aprender. A autora - a professora de história e filosofia da ciência Evelyn Fox Keller, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA) - propõe retraçar a história da genética, mas não se limita à narrativa do progresso científico: ela propõe uma análise crítica das limitações de cada descoberta. A obra relê sob uma perspectiva menos otimista episódios marcantes para a biologia molecular, como a descoberta da estrutura da molécula de DNA por Watson e Crick em 1953 ou o anúncio em 1997 do primeiro clone de mamífero, a ovelha Dolly.
O livro mostra como os genes foram usados para explicar toda a base biológica da vida. Funções como a conservação de características ao longo de gerações, o surgimento de traços individuais e a coordenação do desenvolvimento do organismo foram durante muito tempo atribuídas aos genes. Segundo Keller, eles tomaram conta da imaginação popular por serem entidades simples e, ao mesmo tempo, fundamentais.
Porém, a ciência não pára: aos poucos, pesquisas provaram que os genes não podiam acumular tantas funções, ou seja, não agiam sozinhos. O século do gene descreve inúmeros fenômenos biológicos que dependem da forma como vários componentes da célula interagem. Entre os exemplos destacados no livro, está a curiosa relação entre genes e proteínas. Apesar de codificadas pelos genes, as proteínas são ferramentas importantes na regulação da atividade do DNA. Além disso, um mesmo gene pode produzir mais de uma proteína.
A autora sugere que alguns conceitos em genética precisam ser revistos e modificados, mas em momento algum O século do gene nega a importância do DNA para a organização da vida. O livro mostra apenas que o genoma não é único responsável pelo equilíbrio e desenvolvimento do organismo: o DNA contém informações que só fazem sentido quando relacionadas aos demais sistemas celulares.

por Fernanda Marques
publicado em "Ciência Hoje on-line" (www.ciencia.org.br)

O século do gene
Evelyn Fox Keller (trad.: Nelson Vaz)
Belo Horizonte, 2002, Editora Crisálida
206 páginas [momentaneamente esgotado]