segunda-feira, 1 de março de 2010

Genes não bastam para explicar organização de seres vivos

Historiadora da ciência revê um século de evolução de conceitos em genética

Um século se passou entre a redescoberta dos trabalhos pioneiros em genética de Gregor Mendel (1900) e o anúncio da conclusão do seqüenciamento do genoma humano (2001). Nesse espaço de tempo, o avanço sem precedentes da biologia molecular gerou tanto entusiasmo que muitos cientistas chegaram a acreditar que os grandes mistérios sobre o desenvolvimento da vida haviam sido desvendados. No século 20, o mito segundo o qual a ação dos genes explicaria toda a organização de um ser vivo se tornou famoso no meio científico e na mídia, por tratar com simplicidade fenômenos complexos como as múltiplas funções das proteínas ou o desenvolvimento de um organismo a partir de uma única célula.
No entanto, às vezes, é preciso deixar a euforia de lado e analisar com maior cautela processos que julgamos já ter entendido completamente. Essa análise, proposta no livro O século do gene, nos mostra que ainda temos muito o que aprender. A autora - a professora de história e filosofia da ciência Evelyn Fox Keller, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA) - propõe retraçar a história da genética, mas não se limita à narrativa do progresso científico: ela propõe uma análise crítica das limitações de cada descoberta. A obra relê sob uma perspectiva menos otimista episódios marcantes para a biologia molecular, como a descoberta da estrutura da molécula de DNA por Watson e Crick em 1953 ou o anúncio em 1997 do primeiro clone de mamífero, a ovelha Dolly.
O livro mostra como os genes foram usados para explicar toda a base biológica da vida. Funções como a conservação de características ao longo de gerações, o surgimento de traços individuais e a coordenação do desenvolvimento do organismo foram durante muito tempo atribuídas aos genes. Segundo Keller, eles tomaram conta da imaginação popular por serem entidades simples e, ao mesmo tempo, fundamentais.
Porém, a ciência não pára: aos poucos, pesquisas provaram que os genes não podiam acumular tantas funções, ou seja, não agiam sozinhos. O século do gene descreve inúmeros fenômenos biológicos que dependem da forma como vários componentes da célula interagem. Entre os exemplos destacados no livro, está a curiosa relação entre genes e proteínas. Apesar de codificadas pelos genes, as proteínas são ferramentas importantes na regulação da atividade do DNA. Além disso, um mesmo gene pode produzir mais de uma proteína.
A autora sugere que alguns conceitos em genética precisam ser revistos e modificados, mas em momento algum O século do gene nega a importância do DNA para a organização da vida. O livro mostra apenas que o genoma não é único responsável pelo equilíbrio e desenvolvimento do organismo: o DNA contém informações que só fazem sentido quando relacionadas aos demais sistemas celulares.

por Fernanda Marques
publicado em "Ciência Hoje on-line" (www.ciencia.org.br)

O século do gene
Evelyn Fox Keller (trad.: Nelson Vaz)
Belo Horizonte, 2002, Editora Crisálida
206 páginas [momentaneamente esgotado]

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