quinta-feira, 18 de novembro de 2010

DH Lawrence e a tuberculose


“Não foi Nietzsche quem chamou o homem de ‘animal doente’? E não quis dizer, com isso, que o homem é mais que animal, quando está doente? Ou seja, quanto mais doente estiver, será homem em grau mais alto. E que o gênio da doença é mais humano do que o da saúde.” Palavras de Thomas Mann, o vento norte que (como negar?) enfuna as velas da minha pequena embarcação. Assim enfunado, na terceira parte de Os negócios extraordinários de um certo Juca Peralta, passada dentro de um sanatório, criei um personagem, o Fanadinho, um jovem judeu acometido de tuberculose no último grau. Tal qual o Ipollit, de O Idiota, de Dostoievski: ambos personagens condenados à morte por seus autores através da peçonha da velha Senhora, a tuberculose pulmonar. Esse Fanadinho, atazanado como eu pela relação entre a transitoriedade e o processo criativo, cria uma esdrúxula teoria, denominada Gaffky Oito. E que diabo vem a ser isso? Ora, a escala de Gafkky, que varia de 1 a 9, mede, em laboratório, o número de bacilos contidos numa amostra de escarro do tuberculoso. O leitor de A montanha mágica conhece muito bem o Gaffky, os pacientes do Berghof viviam assombrados por ele. Mas retomemos. Fanadinho supunha que ao se atingir o nível 8 desta escala, o doente seria intoxicado por uma espécie de linfa criativa, de cálida natureza e de extraordinária propriedade, produzida e disseminada a partir dos focos das destruições pulmonares promovidas pela doença. Tal linfa, indo banhar os centros superiores, o delicado parênquima nervoso, proporcionaria enlevos sobre-humanos. Assim iluminado, o tísico produzia sua bela obra. Se quiserem conhecer alguns artistas célebres que, presumidamente, enquadraram-se na teoria do Gafkky Oito e foram geniais, leiam o Juca. Nele, tudo isto é revelado, com detalhes picantes, o que deixará vocês pasmados.
No entanto, toda esta peroração tem um motivo mais importante, e este se chama O livro luminoso da vida (Escritos sobre literatura e arte), de D.H. Lawrence, numa primorosa seleção e tradução do Mário Alves Coutinho, da Editora Crisálida. Lawrence, com os pulmões carcomidos pela tuberculose (Gakffy 8, com certeza) discorre, com beleza e vigor, sobre autores e temas que lhe são caros. “O romance é o livro luminoso e pode fazer o homem vivo estremecer inteiro.”, diz Lawrence.
É verdade.
E é imperdível. 
[Sérgio Mudado, no seu blogue]

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Primavera na Livraria Cultura

Primavera na Cultura - São Paulo | 2010
De 01 a 15 de novembro de 2010, das 9h30 às 21h30
Livraria Cultura do Conjunto Nacional
Av. Paulista, 2073 - São Paulo/SP

uma ação da Libre, em parceria com a Livraria Cultura: exposição de livros, palestras, leituras...

Veja a programação completa no portal da LIBRE: www.libre.org.br

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Primavera dos Livros

De 22 a 24 de outubro [sexta a domingo] acontece no Rio de Janeiro a Primavera dos Livros, uma feira de editoras associadas à LIBRE [ http://www.libre.org.br/ ].
Essa será a décima edição da Primavera dos Livros.
O local é o mesmo das últimas edições: o simpático jardim do Palácio do Catete, próximo à estação do metrô.
A Crisálida estará presente, com todos os títulos de seu catálogo. Nosso estande é o nr. 25.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Juca Peralta

Dia 20/10/2010, às 20:10, acontece em Belo Horizonte o lançamento do novo romance do médico Sérgio Mudado.

Os negócios extraordinários de um certo Juca Peralta., com prefácio do mestre Benedito Nunes.
Local: Espaço do Allegro, no PIC
Rua Claudio Manoel, 1185, próximo à Praça da Liberdade

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Modelos vivos, de Ricardo Aleixo


Acaba de chegar Modelos vivos, novo livro de poemas de Ricardo Aleixo. A partir de quinta-feira estará disponível nas melhores livrarias do país. Por enquanto, na loja da Crisálida: no Maletta, no Centro de Belo Horizonte, ou em nossa página: www.crisalida.com.br
ou no portal da LIBRE: www.libre.org.br

O lançamento em Belo Horizonte será em duas etapas:
1) Dia 11 de setembro a partir das 11 horas no Café com Letras (Rua Antônio de Albuquerque, 781 – Savassi)

2) Dia 14 de setembro, às 19h30, também no Café com Letras, Ricardo Aleixo apresenta sua leitura-concerto Música para modelos vivos movidos a moedas e abre uma pequena exposição de poemas visuais de sua autoria, em comemoração aos 50 anos do autor.

O livro recebeu apoio do Programa Petrobras Cultural
Mais informações no blogue do Ricardo: www.jaguadarte.blogspot.com

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Lançamento: Livro luminoso da vida


Convidamos para o evento de lançamento do livro de ensaios de D.H. Lawrence, O livro luminoso da vida.

O discurso das imagens

Está disponível no portal Viapolitica o novo curta-metragem de Luis Rosemberg Filho.
Vale mesmo a pena assistir: é um belo trabalho sobre cinema e literatura. Faz algumas referências ao livro de Mário Coutinho sobre Godard: Escrever com a câmera.

Para ver o curta [19 minutos] e/ou ler o texto que sobre ele escreveu o José Carlos Asberg, clique aqui: http://www.viapolitica.com.br/kino_kaos_62.php

"Em seu novo trabalho, Luiz Rosemberg Filho faz uma declaração de amor ao cinema e uma inquietante pergunta: o que foi que fizemos com a imagem?"

sábado, 21 de agosto de 2010

Livro luminoso da vida na mídia


O livro luminoso da vida (ensaios sobre literatura e arte), de DH Lawrence, foi o objeto de dois ensaios hoje, Sábado, em dois jornais diferentes. Marcelo Castilho Avellar escreveu no caderno "Pensar" do Estado de Minas uma ótima resenha, em que mostra como são atuais as geniais abordagens de Lawrence a obras e autores.

O texto de Silviano Santiago saiu no caderno Sabático, do Estadão e está disponível através do link abaixo.

"Lawrence na pele de ensaísta"

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100821/not_imp598123,0.php

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Escrever com a câmera: Godard no Estadão


Luiz Zanin Oricchio comenta o livro Escrever com a câmera: Godard no caderno Sabático, do Estado de São Paulo de 14/agosto.
O texto está disponível no blogue do Luiz Zanin

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Dom Quixote em cordel


Acaba de chegar a edição de um belo livrinho: O Dom Quixote em Cordel, de Olegário Alfredo, já está disponível nas boas livrarias.

Título: Dom Quixote em cordel
Autor: Olegário Alfredo
Capista: Milton Fernandes
ISBN 9788587961600
Páginas: 20
Acabamento: brochura, grampeado
Formato: 14x22,5
Edição: 1ª
Idioma: português
Ano: 2010


A história do fidalgo Dom Quixote de La Mancha foi publicada por Miguel de Cervantes em 1605. Desde então foi editada, traduzida, copiada, plagiada, imitada e adaptada vezes sem conta. Em 2005 o poeta Olegário Alfredo escreveu um folheto de cordel contando as aventuras do famoso personagem, para comemorar os 400 anos desse que é um dos livros mais lidos e amados de todos os tempos. Essa adaptação, agora ilustrada, ganha o formato de livro para chegar a novos e antigos leitores.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Godard no Uol / Trópico

O livro de Mário Coutinho sobre a obra de Jean-Luc Godard foi resenhado por Cássio Starling, no portal Tropico, do Uol. "Um cineasta é também um visionário" é o título da matéria.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Distribuição da Crisálida

A partir de junho/2010 os livros publicados pela Crisálida serão distribuidos em Belo Horizonte e região pela Asteca.
Visite a página da Asteca.

Em São Paulo o Empório do Livro continua como nosso principal parceiro.

Cordelteca de Sabará

Será inaugurada em 4 de julho de 2010 uma biblioteca especializada literatura de cordel e cultura popular brasileira, a Cordelteca de Sabará.
A Cordelteca é uma iniciativa da Borrachalioteca e terá seu acervo inicial formato por mais de mil folhetos de cordel, doados por diversos colaboradores.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Dom Quixote em Cordel na Bienal do Livro


Durante a Bienal do Livro de Minas Gerais [14 a 23 de maio], o estande da Crisálida Editora fará a exposição e venda de folhetos de cordel.
Na compra de qualquer livro da Crisálida, o leitor receberá como brinde o exclusivo folheto: Dom Quixote em cordel, de Olegário Alfredo.
Trata-se de adaptação inédita, que em breve será publicada em formato de livro, com ilustrações clássicas adaptadas por Milton Fernandes.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Bienal do Livro de Minas Gerais

A Crisálida estará presente na Bienal do Livro de Minas Gerais, de 14 a 23 de maio, no Expominas.
Nosso estande é o P 18, no pavilhão 3, em parceria com a Argvmentvm Editora.

domingo, 9 de maio de 2010

sábado, 24 de abril de 2010

Escrever com a câmera: Godard

Como boa parte da produção sobre artes em geral (e cinema em particular) publicada no Brasil, Escrever com a câmera – A literatura cinematográfica de Jean-Luc Godard, de Mário Alves Coutinho, é subproduto de pesquisa realizada no âmbito de uma pós-graduação. O livro, em linhas gerais, investiga a criação de Godard a partir de um conjunto de conceitos aparentados à literatura – ao contrário do que são as abordagens tradicionais sobre a obra de um cineasta, que buscam aproximar-se dela a partir da biografia ou de princípios do próprio cinema. No processo, confronta vícios e virtudes que costumam atravessar as obras que resultam de pesquisa acadêmica, abrindo assim, aos leitores, um duplo caminho para novas investigações: um, ligado ao conteúdo, pelo olhar singular com que observa a obra de Godard; outro, que poderíamos associar à forma, nos fala de como oferecer conteúdos complexos sem transformá-los em algo hermético. Dissertações, teses e suas defesas não constituem apenas relatórios de uma pesquisa ou debates sobre ela. Têm, também, o sentido de um rito de passagem, representam, simbolicamente, uma mudança significativa na condição existencial do pós-graduando – através delas, ele deixa de ser um leigo e é admitido formalmente em confrarias a que pretende ascender, a dos professores, a dos cientistas, à própria academia em si. Este dado (ao qual, no Brasil, acrescenta-se o status legal dos títulos como atestados de capacitação profissional, sem os quais certas ocupações não podem ser exercidas) frequentemente transforma os relatórios em textos que parecem dirigidos apenas às bancas que os julgarão. Em seu livro, Mário Alves Coutinho escapa sabiamente deste vício. Parte desse sucesso deve-se a sua intimidade com a linguagem em geral, e a escrita em particular. O estilo de Escrever com a câmera é resultado de décadas do trabalho de Mário escrevendo e publicando crítica de cinema em veículos como este, o Estado de Minas, participando de debates públicos ao vivo ou pela televisão, traduzindo e por aí vai. Não é um relatório de pesquisa, mostra-se, antes, como uma boa conversa com o leitor sobre um tema pelo qual o autor é apaixonado. Esse jeito de conversa mostra-se essencial para que seja alcançado o efeito mencionado acima: a possibilidade de clareza na apresentação de um tema usualmente percebido, tanto pelos leigos quanto pela academia, como sendo complexo. Em geral, estamos acostumados a discursos herméticos sobre os tais temas mais complexos. Quem já leu Barthes ou Delleuze sabe, exatamente, do que se fala aqui (e isso vale tanto para os que amam quanto para os que detestam estes autores): multiplicam-se os neologismos, expandem-se as interpretações, proliferam os jogos de palavras. Em Escrever com a câmera, Mário Alves Coutinho rema contra essa corrente. A estrutura de sua tese é até convencional: apresentação dos pressupostos gerais de sua pesquisa; exposição das situações específicas que considera essenciais à compreensão de suas ideias (o primeiro capítulo do livro, em que o ambiente onde Godard cresceu é mostrado através de textos sobre pessoas e eventos que o teriam influenciado, é magistral na percepção de como teriam surgido certos traços da obra e da personalidade do cineasta); estudo de casos que confirmam a hipótese (filmes do diretor, em confronto com certos processos de aproximação ou tensão com a literatura); conclusão. A essa estrutura se incorpora, em certo sentido, a explicação dos neologismos, o debate sobre os limites das interpretações, a busca da compreensão dos jogos de palavras – ou seja, estamos não apenas diante de um discurso sobre Godard, cinema ou literatura, mas diante de um discurso sobre discursos a respeito destes temas. Outro elemento de Escrever com a câmera que facilita a comunicação com o público é o fato de ser uma obra nitidamente autoral. Começa com a escolha do tema – toda a geração de críticos a que Mário Alves Coutinho pertence é ou foi apaixonada por Godard e a Nouvelle Vague. Continua com a própria seleção de “casos” a serem estudados – são filmes “clássicos” (mesmo se soa paradoxal chamar de clássico um filme de Godard), com que o autor conviveu na época da formação de seu pensamento sobre cinema, mesmo se obras mais recentes do cineasta poderiam funcionar com a mesma eficiência. E termina com a maneira como se apropria das teorias e jargões que incorpora da literatura: frequentemente, relatos análogos, na ânsia de agradar os examinadores, parecem deixar de lado seus objetos de pesquisa para se transformarem em demonstrações de como os autores lidam bem com os conceitos de seu campo de conhecimento. Em Escrever com a câmera, Godard é sempre o centro de nossa atenção, e tudo o mais, conceitos de cinema e literatura, ou métodos de abordagem possíveis, parece estar a serviço de nossa aproximação com sua obra. A paixão mencionada acima é sempre uma armadilha. Como boa parte das obras sobre arte e filosofia, Escrever com a câmera parte do pressuposto de que o valor de seu objeto de estudo é incontestável. Sobre ele não cabe juízo crítico, aplicável apenas a partir dele. Quem procurar no livro um olhar que guarde certo estranhamento de Jean-Luc Godard perderá seu tempo. As possíveis consequências daquela paixão, contudo, são amenizadas pela própria abordagem. Por mais que seja um leitor obsessivo ou um tradutor, a teoria literária não é espaço e nem origem do pensamento cotidiano de Mário Alves Coutinho. Constitui, para ele, território novo – ao contrário do que ocorre com a teoria do cinema. Se Godard, em si, é objeto de sua paixão (e, portanto, inseparável de sua visão de mundo), as ferramentas que usa na investigação não o são. Em relação a elas, ele é capaz de manter aquele estranhamento. Sua paixão, aqui, é pelo que está descobrindo, e não pelo que já conhece. Consequência disso é a própria determinação de uma hierarquia entre literatura e cinema. O subtítulo de Escrever com a câmera é A literatura cinematográfica de Jean-Luc Godard, e não “o cinema literário”. Insinua uma precedência – a possibilidade de pensarmos o cinema ou pelo menos certo cinema (o de Godard e alguns outros cineastas) como gênero literário. O que, radicalizando o raciocínio, nos levaria a questionar até mesmo a autonomia do cinema frente às outras artes (e Escrever com a câmera é extremamente eficiente em investigar citações que remetem a essa possibilidade). Se isso pode incomodar os puristas do “específico fílmico”, pode, também, abrir boas portas a novas pesquisas, e na direção oposta: a partir da maneira como Mário Alves Coutinho investiga uma “literatura cinematográfica”, e usando os mesmos instrumentos teóricos, poderíamos, por exemplo, correr atrás do “cinema literário” de autores como Honoré de Balzac ou Paul Valéry (só para mencionar duas paixões literárias de Godard). O melhor numa obra não é necessariamente o que ela diz, mas as possibilidades que abre para novas pesquisas e criações.
Marcello Castilho Avellar, Estado de Minas, 24/04/2010

segunda-feira, 15 de março de 2010

Escrever com a Câmera: Godard

Acaba de ser publicado pela Crisálida o livro de Mário Alves Coutinho sobre Jean-Luc Godard. Primeiro livro escrito por um brasileiro sobre o cineasta francês, o ensaio pode servir como um guia seus filmes. A análise detalhada de 3 filmes (Alphaville, Pierrot le fou e O desprezo), além da referência a vários outros, fornece uma chave de interpretação ou de apreciação de uma das obras mais influentes do cinema moderno.
Tudo o que você queria saber sobre Godard e não podia perguntar a Blanchot: http://migre.me/oFuP

quarta-feira, 3 de março de 2010

Dia 8 de março - Dia Internacional da Mulher


“O amor, disse alguem, é uma jornada, cujo ponto de partida é o sentimento, e cujo termo inevitavel a sensação. Se isto é verdade, o que ha a fazer, é embelecer a estrada e chegar o mais tarde possivel ao fim. Ora, quem melhor que o homem de espirito sabe parolar á beira do caminho, parar e colher flôres, sentar-se às sombras frescas, recitar aventuras e procurar desvios e delongas? Um caracol de cabellos mal arranjado, um comprimento menos apressado que de costume, um som de voz discordante, uma palavra mal escolhida, tudo lhe é pretexto para demorar os passos e prolongar os prazeres de viagem. Mas quantas mulheres apreciam esses castos manejos, e comprehendem o encanto dessas paradas á borda de uma veia limpida que reflete o céo? Ellas querem o amor, qualquer que seja a sua natureza, e o que tolo lhes offerece é-lhes bastante, por mais insipido que seja.”

[de Queda que as mulheres têm para os tolos, tradução de Machado de Assis, em grafia conforme o original – Editora Crisálida]

segunda-feira, 1 de março de 2010

Reedições de Machado de Assis




Duas obras de Machado de Assis foram reeditadas pela editora Crisálida. A coletânea de prosa e verso Queda que as mulheres têm pelos tolos e outros textos e o emblemático livro de poemas Chrysalidas, com a grafia da edição original. Os dois livros são resenhados nesta edição pelo crítico literário Fernando Py.

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Temos em mãos duas reedições de Machado de Assis: Chrysalidas (Belo Horizonte: Livraria Crisálida Ltda., 2000, 120p.) e Queda que as mulheres têm para os tolos e outros textos (Belo Horizonte: Livraria Crisálida Ltda., 2003, 88p.; pesquisa e organização de Oséias Silas Ferraz). Convém dizer algumas palavras sobre ambos.
A editora reproduz a grafia da edição original de Chrysalidas (1864), primeira coletânea de poesia do nosso Machado; o organizador informa que corrigiu apenas os evidentes erros tipográficos, mantendo rigorosamente o texto da edição princeps. Assim, o leitor terá condições de ler o volume tal como apareceu em vida do autor, pois a presente edição é a única reedição integral de
Chrysalidas que já se fez, sem os cortes e alterações de palavras e versos que Machado operou quando da publicação das Poesias completas (1901).
Ao escrever as 29 peças de
Chrysalidas, Machado de Assis ainda estava preso à poesia romântica; porém seu romantismo se afastava bastante de alguns postulados da escola, pois o poeta já manifestava a tendência de aperfeiçoar a métrica, ou seja, colocava-se numa posição um tanto precursora do nosso Parnasianismo. Utilizando de preferência o verso alexandrino, antecipava uma das constantes dos futuros parnasianos; seu cuidado com a métrica e o comedimento com a expressão que atinge por vezes a elipse, em "Ocidentais" fizeram-no muito respeitado entre os jovens que, desde os anos 1870, buscavam maior rigor tanto na forma como na maneira de expressar-se.
Contudo, Machado era ainda romântico, principalmente no que diz respeito ao sentimento de evasão, tão comum no Romantismo. Poemas como “Visio”, “Stela” e “Horas vivas” são exemplos de fuga para o sonho, ao passo que em “Musa consolatrix” a própria poesia serve-lhe de fuga. De todo modo, a poesia de Machado de Assis, ainda em seus começos, já mostrava uma certa insatisfação diante da realidade, o que só fez acentuar-se com o tempo.
Queda que as mulheres têm para os tolos e outros textos é uma coletânea de prosa variada, findando com o mais perfeito soneto que Machado já escreveu: “A Carolina”, em memória da esposa, falecida em 1904. Os demais textos são artigos de crítica, ensaios e um conto (“Teoria do medalhão”, p. 69). Observe-se que esta edição também respeita a ortografia da época empregada por Machado.
Ao publicar em volume Queda que as mulheres têm para os tolos (1861), o editor deu-o como “tradução do Sr. Machado de Assis”. O fato levantou dúvidas e durante muito tempo houve quem julgasse que o texto era do próprio Machado. Somente no ensaio Machado de Assis traducteur (edição mimeo, s/d., 1970?), o pesquisador francês Jean-Michel Massa consegue provar que a obra é de fato uma tradução de "De l'amour des femmes pour les sots", texto anônimo publicado em 1859 em Liège e em Paris, atribuído a um certo Victor Hénaux. Um dos motivos do engano da crítica sobretudo de Lúcia-Miguel Pereira foi que, segundo ela, a Queda já mostrava, em esboço, a “Teoria do medalhão”, um dos contos mais característicos da última fase de Machado. Contudo, sabemos hoje, aquilo era unicamente uma questão de afinidade...
As peças ensaísticas aqui reunidas estão entre as mais importantes de Machado: “Ideal do crítico”, de 1865, é um pequeno ensaio que aborda as condições necessárias para que se exerça crítica; por sua vez, em “Literatura brasileira Instinto de nacionalidade” (1873), temos um Machado de Assis que buscava examinar em que medida as nossas letras dispunham de um caráter especificamente nacional; ambos os textos mostravam que Machado tinha plena consciência não só do papel do crítico, mas também de que uma das exigências para a nossa literatura seria o que denominava “instinto de nacionalidade”, que a poderia distinguir das demais literaturas do mundo. Na crítica, Machado pode não ter deixado uma obra tão importante como a de sua ficção, mas é evidente que soube situar, desde a juventude, a função primordial do crítico literário.
“Elogio da vaidade” é uma “fantasia”, escrito que lembra Erasmo a partir mesmo do título. Trata-se de uma proposopopéia em que a Vaidade assume a palavra e faz o próprio elogio, chegando por fim à conclusão, aparentemente paradoxal, de que a maior vaidade é a vaidade da modéstia.
De certo modo, isto nos leva ao conto “Teoria do medalhão”: um pai, na noite do aniversário do filho, passa a instruí-lo na maneira de comportar-se em sociedade, ensinando-lhe hábitos, formas de se destacar, “como instrumento de luta para a conquista do prestígio” (
Augusto Meyer. Machado de Assis. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1958, p. 67.). E remata de modo altamente revelador, dizendo que aquela conversa “vale o Príncipe de Macchiavelli” (p.80). É uma peça bem própria de Machado, e está intimamente ligada não apenas ao conto “O espelho”, como quer Augusto Meyer (1958), mas a diversos outros, tornando-se, desse modo, um texto emblemático.
A edição da Crisálida é meritória por mais de uma razão. E não será descabido afirmar que preenche uma lacuna, pelo simples fato de colocar novamente em circulação alguns textos mal conhecidos do maior escritor brasileiro de todos os tempos.

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Fernando Py
é poeta, tradutor e crítico literário.
Texto publicado em: http://migre.me/lPpD
[Texto publicado na versão impressa de Poiésis - Literatura, Pensamento & Arte, nº 110, maio de 2005, pág. 10]


Literatura não tem cor


LITERATURA NÃO TEM COR

Estudo revela “embranquecimento” de Machado de Assis

por Marisa Lajolo

A mulatice de Machado de Assis parece ter passado em branco em muitos estudos literários que acompanham, nesse processo de despigmentação textual, a galeria de fotos do escritor que também o embranquecem, fixando para a posteridade um respeitável senhor de barbas que a contempla com expressão indecifrável. Este embranquecimento de Machado parece articular-se à crença (amparada em algumas teorias) de que a literatura, sobretudo a literatura que se quer com L maiúsculo – a Literatura –, não tem cor nem sexo.
Mas tem: sexo e cor entraram na pauta de vertentes de ponta dos estudos literários. O recente livro de Eduardo Duarte, Machado de Assis afro-descendente (Rio de Janeiro, Belo Horizonte: Pallas/Crisálida, 2007), já nasce, assim, polêmico ao fazer uma releitura da obra do velho bruxo e, a partir dela, montar uma originalíssima antologia. Neste livro a afro-descendência de Machado se textualiza e um novo Machado insinua-se ao leitor, que, fisgado, se espanta com seus botões: como é que eu nunca tinha percebido isso? Com efeito, página após página – crônicas, poemas, contos e fragmentos de romance vão patrocinando uma releitura que vasculha, na obra machadiana, a presença de negros, de negras, de cenários e de assuntos ligados à escravidão.
Ao longo da antologia o leitor se surpreende pelos efeitos de sentido que a vizinhança de textos constrói. Surpreendem-se sobretudo os leitores familiarizados com a obra machadiana: é como se se estivesse contemplando uma galeria de quadros, todos muito conhecidos, mas aos quais o rearranjo confere uma perspectiva completamente nova.
O autor do livro encontra, no estilo do escritor, modos de dizer que representam a expressão formal da mestiçagem. No capítulo final, “Estratégias de caramujo”, um ousado gesto crítico retoma a figura do narrador machadiano e – discutindo-a uma vez mais – atribui a ela o afinamento de voz necessário para discutir negritude com os seletos leitores que, na época de Machado, liam-no nas revistas pelas quais circulavam suas histórias. Informando, ao longo da antologia, o modo de circulação original de cada texto, o livro permite vislumbrar ainda os itinerários que, no sistema literário, percorrem a literatura enquanto materialidade de texto impresso em papel.
O diapasão da voz machadiana é esmiuçado nos diferentes gêneros. O trabalho do autor do livro aloja-se no início em modestos rodapés, tornando-se minucioso e militante no ensaio final. Discute, desde um certo varejo do texto, como o nome de personagens, até aspectos de maior envergadura, como a articulação de grandes blocos narrativos. Na análise, estes blocos criam equilíbrios instigantes que, sugerindo muitas vezes cenas de paralelismo invertido, fazem eclodir no texto a velada violência que pautava o regime escravocrata vigente no Brasil e que talvez persista além da escravidão.
O olhar de Eduardo Duarte vai percorrendo a obra machadiana, contextualizando no modelo brasileiro da escravidão procedimentos textuais de Machado de Assis. Dentre as interpretações do crítico, a mais ousada é a que atribui ao caráter póstumo de Brás Cubas um valor político bastante alto: como diz o livro, Machado mata o senhor de escravos oito anos antes da abolição (p. 277).
Assumindo-se como sujeito de seu texto, o autor dialoga com a tradição crítica mais recente de Machado, optando às vezes por uma forma interrogativa de formular suas hipóteses. Ao alternar-se com interpretações categóricas e com informações que contextualizam o texto machadiano, a retórica da interrogação confere ao leitor uma certa liberdade. Dá-lhe autonomia para sentir-se sócio do autor, já que de sua resposta depende a confirmação (ou a refutação) do raciocínio que lhe está sendo proposto. Esta parceria com os leitores – recurso de que usa e abusa o próprio Machado – é bastante interessante (e muito rara) nos estudos literários.
O ensaio de crítica é um gênero por excelência intertextual e a presença de interrogação nele – ainda que retórica – representa um bem-vindo convite à discussão. Este livro sugere que Machado é, sim, um escritor universal e também um escritor brasileiro. Mas é só a partir deste estudo que se começa a dizer que Machado é um escritor brasileiro negro.


Marisa Lajolo é professora de literatura na Universidade Estadual de Campinas.
Texto publicado em http://revistapesquisa.fapesp.br/index.php?art=4047&bd=3&pg=1
Edição Impressa 137 - julho 2007

Genes não bastam para explicar organização de seres vivos

Historiadora da ciência revê um século de evolução de conceitos em genética

Um século se passou entre a redescoberta dos trabalhos pioneiros em genética de Gregor Mendel (1900) e o anúncio da conclusão do seqüenciamento do genoma humano (2001). Nesse espaço de tempo, o avanço sem precedentes da biologia molecular gerou tanto entusiasmo que muitos cientistas chegaram a acreditar que os grandes mistérios sobre o desenvolvimento da vida haviam sido desvendados. No século 20, o mito segundo o qual a ação dos genes explicaria toda a organização de um ser vivo se tornou famoso no meio científico e na mídia, por tratar com simplicidade fenômenos complexos como as múltiplas funções das proteínas ou o desenvolvimento de um organismo a partir de uma única célula.
No entanto, às vezes, é preciso deixar a euforia de lado e analisar com maior cautela processos que julgamos já ter entendido completamente. Essa análise, proposta no livro O século do gene, nos mostra que ainda temos muito o que aprender. A autora - a professora de história e filosofia da ciência Evelyn Fox Keller, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA) - propõe retraçar a história da genética, mas não se limita à narrativa do progresso científico: ela propõe uma análise crítica das limitações de cada descoberta. A obra relê sob uma perspectiva menos otimista episódios marcantes para a biologia molecular, como a descoberta da estrutura da molécula de DNA por Watson e Crick em 1953 ou o anúncio em 1997 do primeiro clone de mamífero, a ovelha Dolly.
O livro mostra como os genes foram usados para explicar toda a base biológica da vida. Funções como a conservação de características ao longo de gerações, o surgimento de traços individuais e a coordenação do desenvolvimento do organismo foram durante muito tempo atribuídas aos genes. Segundo Keller, eles tomaram conta da imaginação popular por serem entidades simples e, ao mesmo tempo, fundamentais.
Porém, a ciência não pára: aos poucos, pesquisas provaram que os genes não podiam acumular tantas funções, ou seja, não agiam sozinhos. O século do gene descreve inúmeros fenômenos biológicos que dependem da forma como vários componentes da célula interagem. Entre os exemplos destacados no livro, está a curiosa relação entre genes e proteínas. Apesar de codificadas pelos genes, as proteínas são ferramentas importantes na regulação da atividade do DNA. Além disso, um mesmo gene pode produzir mais de uma proteína.
A autora sugere que alguns conceitos em genética precisam ser revistos e modificados, mas em momento algum O século do gene nega a importância do DNA para a organização da vida. O livro mostra apenas que o genoma não é único responsável pelo equilíbrio e desenvolvimento do organismo: o DNA contém informações que só fazem sentido quando relacionadas aos demais sistemas celulares.

por Fernanda Marques
publicado em "Ciência Hoje on-line" (www.ciencia.org.br)

O século do gene
Evelyn Fox Keller (trad.: Nelson Vaz)
Belo Horizonte, 2002, Editora Crisálida
206 páginas [momentaneamente esgotado]

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Plágio e intimidação

A tradutora Denise Bottmann tem feito um trabalho digno de aplauso [e apoio!] na divulgação de plágios em traduções, cometidos por editoras brasileiras. O plágio é uma prática deplorável e sua denúncia e eliminação deveria ter o suporte unânime de livreiros, editores e de todo cidadão consciente. Infelizmente não é o que acontece: a grande maioria das livrarias continua vendendo livros comprovadamente plagiados como se fosse a coisa mais normal do mundo. E as editoras que cometem os plágios continuam vendendo seus livros como edições dignas do nome.
Além de não ter [ainda] o apoio expresso das entidades do meio editorial [SNEL, CBL, LIBRE, ABEU, ABDR], Denise enfrenta outro problema: a intimidação por parte dos plagiadores.
Já fomos vítimas em um caso semelhante: ao denunciar um plágio da edição da Cia das Letras de Glaura [nem foi a nossa edição], fomos citados pelos plagiários, que nos ameaçaram com pedido de indenização por calúnia e difamação.
Todos podem e devem defender seus direitos, inclusive os acusados de plágio. Mas a situação é diferente. Quando publicou a informação sobre o plágio, Denise Bottmann deu amplo direito de manifestação ao Sr. Fábio Cyrino e à Landmark, assim como costuma fazer em todos os casos divulgados pelo blog Não Gosto de Plágio. Se há algum argumento plausível para a edição espúria da Landmark, que seja apresentado e será divulgado com o mesmo destaque no mesmíssimo local em que o sr. Cyrino foi exposto [prefiro esse termo ao difamado que ele alega].
A Crisálida Livraria nunca comercializou edições da Martin Claret [talvez a mais sistemática e notória plagiária de que se tem notícia] e, após a constatação do plágio do livro Persuasão, de Jane Austen, demonstrado no cotejo das edições apresentado pela Denise, deixamos de comercializar também os livros da Landmark.
Bom seria se os livreiros agissem em defesa do leitor e retirassem de comércio essas edições espúrias. Infelizmente a maior parte prefere fingir que não sabe ou usar o recurso legalista de "só tiraremos de comércio se formos citados judicialmente".

Plágio de tradução

Editora processa blogueira: pode plagiar esta notícia
A tradutora e blogueira Denise Bottmann, do site Não Gosto de Plágio, precisa de ajuda. Caçadora mais ou menos solitária de picaretas editoriais, está sendo processada pela editora Landmark, que pede ao juiz indenização mais a retirada de seu blog do ar – informa Alessandro Martins, do blog Livros e Afins. Tudo por ter denunciado que a tradução de “Persuasão”, de Jane Austen, lançada pela Landmark com a assinatura de um de seus proprietários, Fábio Cyrino, seria praticamente um xerox de uma antiga – e fraca – tradução portuguesa da lavra de Isabel Sequeira, até em seus numerosos erros. A blogueira Raquel Sallaberry, do Jane Austen em Português, também está sendo processada pela editora.

Caso a denúncia seja mesmo na mosca, como os exemplos citados em seu blog indicam (tem até uma mesma gralha cômica, “átrio” virando “trio” em ambos os textos), Denise terá exposto mais uma vez o golpe de requentar traduções sem pagamento de direitos, bandeira de subdesenvolvimento cultural que infelizmente está longe de ser novidade no Brasil. Se você também não gosta de plágio, ajude a espalhar a notícia.

Sérgio Rodrigues, do Todoprosa

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Sindicalismo no Brasil: os primeiros 100 anos?

José Reginaldo Inácio (org.). O sindicalismo no Brasil: os primeiros 100 anos? Belo Horizonte: Crisálida, 2007.

O sindicalismo brasileiro nasceu no século passado com o fortalecimento das indústrias na economia nacional. De lá para cá, não deixou de influenciar a vida do País. Foi graças à organização dos trabalhadores que conquistamos os direitos que nos protegem, garantimos avanços democráticos e o desenvolvimento nacional.
Tivemos muitas conquistas e vitórias importantes e também sofremos derrotas e perseguições. Nenhum direito, nada nos foi dado de graça. Custou muito sacrifício e tudo foi muito difícil.
Assim, o sindicalismo brasileiro não nasceu ontem. Tem uma longa história de serviços prestados ao Brasil e ao seu povo.
Desde 1949, quando comecei no sindicalismo, no Departamento de Força e Luz até o Conclat, realizado em agosto de 1981 – passando pelas lutas em defesa da Previdência, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), pelo Comando Geral dos Trabalhadores, pela OIT e pela Assembléia de Minas Gerais – sempre defendi os trabalhadores e sua unidade sindical.
Sinto que valeu a pena. Tenho a sensação de dever cumprido e recompensado pela luta incessante a as inúmeras conquistas dos brasileiros.
Hoje, eu não consigo entender como algumas pessoas e sindicalistas podem apoiar a retirada de direitos previdenciários e trabalhistas, tão importantes e duramente conquistados.
Para mim, a forma de enfrentar a exploração é muita força e muita união. Sou pela unidade dos trabalhadores e é dentro deste princípio que defendo a tese que não há lugar para discriminação no movimento sindical. Dentro do sindicato não vejo opção política, partido ou religião. Eu vejo trabalhador lutando pelos seus interesses e isso é o que importa.
O movimento sindical brasileiro precisa superar as atuais dificuldades e dar passos à frente.
Por isso, é com grande alegria e satisfação que vejo uma publicação como esta. Ela reúne estudiosos e dirigentes políticos e sindicais de diversas origens e opções políticas e aí esta a sua força. São análises, avaliações, balanços e propostas que valorizam o movimento dos trabalhadores e certamente, colaborarão para a busca de novos caminhos.
por Clodesmidt Riani

BHPMMG


A Editora Crisálida apresenta ao público uma pequena preciosidade. A Breve História da Polícia Militar de Minas Gerais, de Francis Albert Cotta, vem cobrir uma grave lacuna historiográfica, qual seja, a da elaboração de um trabalho efetivamente acadêmico sobre a História da Polícia Militar.
É verdade que existem obras outras que tratam da história dessa importantíssima corporação. Contudo, são trabalhos diletantes, de apreciadores da História, que pretenderam registrar a memória da Polícia Militar. Daí a importância do trabalho de Francis Cotta.
O autor defendeu tese de doutorado em História (No rastro dos Dragões: universo militar luso-brasileiro e as políticas da ordem nas Minas setecentistas) após ter realizado uma pesquisa verticalizada nos arquivos de Minas Gerais e de Portugal.
Os resultados do extenso arrolamento de dados feito pelo autor trouxeram à luz informações sobre a PMMG que, durante séculos, ficaram guardadas em documentos nos arquivos à espera de serem manuseados, coletados e sistematizados.
Deste trabalho e do seu interesse pela corporação, da qual faz parte, Francis Albert Cotta escreveu esse pequeno, mas precioso livro, que permite a todos conhecerem a história da Polícia Militar de Minas Gerais no longo período compreendido entre a temporalmente distante América Portuguesa e os recentes anos 1990.
O autor inicia seu livro tratando da ponte possível entre o passado e o presente; das relações imbricadas entre História e Memória. A Breve História da Polícia Militar de Minas Gerais possibilita guardar a memória da corporação: da sua formação, de seus primeiros tempos, da sua profissionalização e da sua inserção na sociedade.
Dos Dragões Del Rei, tropa paga e regular e dos corpos auxiliares e irregulares, como as milícias, as ordenanças e os terços de pardos e negros, que atuavam na América Portuguesa, à Polícia Militar dos nossos dias um longo caminho foi percorrido. As influências de concepções européias sobre a formação, qualificação e tratamento das tropas foram finamente analisadas pelo autor. Ressalte-se o exame de Francis Albert Cotta da Guarda Real da Polícia de Lisboa, tema inédito na historiografia brasileira que, mais uma vez, aponta para a importância da pesquisa histórica dedicada e séria.
A manutenção da ordem, tarefa precípua da Polícia Militar, foi abordada nos vários contextos históricos de crise no Brasil, quando a corporação foi chamada a atuar.
Recomendo enfaticamente a leitura desse livro. Uma nova porta sobre a História da Polícia Militar foi aberta: um convite para visitar uma nova história de uma das mais importantes corporações do estado de Minas Gerais.

Profª. Drª. Carla Maria Junho Anastasia (UFMG)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Os donos do poder nas Minas Gerais: comentários sobre “O segredo de Minas", de Amilcar Vianna Martins Filho

“O segredo de Minas: a origem do estilo mineiro de fazer política – 1889-1930” - Editora Crisálida

por Andrey Zanetti

Devo reconhecer que são poucos os trabalhos surpreendentemente bons quando falamos em pensamento brasileiro, ainda mais quando se trata de estudos regionais. Os estudiosos ufanam as regiões mais ricas pela sua grandeza; das mais pobres, buscam no passado sua história de glórias. Mas são poucos os estudos que se pode reconhecer como esforço intelectual, exercício de entendimento dessa complexa realidade nacional que se comunica com, não menos complexa, realidades regionais. Ler o trabalho de Amilcar Vianna Martins Filho é deparar com um exemplo de texto limpo e claro, um excelente modelo de como se escrever uma tese seguindo o bom manual acadêmico, sem pirotecnias ou devaneios, infelizmente tão comuns hoje.
Resenhar o livro de Martins Filho é um trabalho que envolve mais do que simplesmente tecer comentários bajuladores; exige destacar os segredos presentes nas possíveis interpretações de seu discurso. Dessa forma, proponho para esse exercício seguir alguns caminhos que, por não terem uma ordem exata de importância, são apresentados de forma aleatória e dentro de algumas conveniências.
Primeiro, deve-se destacar a qualidade estilística do discurso. É um trabalho conciso, claro, bem ao estilo de narrativa acadêmica americana. O argumento é exposto de forma clara, sem qualquer dúvida. O que para alguns leitores poderia parecer falta de criatividade ou simplismo, revela-se um refinamento do trabalho. A aparente simplicidade é a estratégia escolhida pelo autor na exposição de seus argumentos, em que a clareza torna muito difícil refutá-los. Cada capítulo inicia apresentando uma hipótese, as teses em contrário, seu argumento, análises favoráveis e um rico material que servirá como ilustração comprobatória de seus argumentos exposto de forma harmoniosa, algo muito difícil, mas que o autor provou não ser impossível.
Outro caminho para interpretar o trabalho de Martins Filho é identificar a linhagem acadêmica. O livro é uma versão de sua tese de doutorado, defendida nos EUA e sob orientação de Joseph L. Love, que é autor de um dos livros que compõe uma trilogia de estudos de brasilianistas americanos, publicados pela editora Paz e Terra na década de 1980: John D. Wirth (O Fiel da Balança: Minas Gerais na Federação Brasileira 1889-1937), Joseph L. Love ( A Locomotiva: São Paulo na Federação Brasileira 1889-1937) e Robert M. Levine (A Velha Usina: Pernambuco na Federação Brasileira 1889-1937). Assim, Amilcar Martins se liga a essa linhagem dos brasilianistas americanos e aos vários estudos regionais por eles desenvolvidos, com o mesmo rigor metodológico e a mesma riqueza de dados estatísticos. Eu poderia ficar por aqui em minha análise, discorrendo sobre os pontos positivos e negativos, e até a minha relativa desconfiança em relação às qualidades gerais dos trabalhos dos brasilianistas americanos, mas é mais importante desenvolver um terceiro caminho de interpretação.
O trabalho de Martins Filho se destaca por continuar uma linhagem de estudos sobre o Pensamento Brasileiro em uma tradição weberiana. Mais especificamente, o seu trabalho pode ser pensado como uma extensão de um estudo já tomado como um clássico, a obra Os donos do poder de Raymundo Faoro, inegavelmente de grande fôlego e de competência intelectual. Boris Fausto, no prefácio de O segredo de Minas, já destaca que o autor sustenta a interpretação do caráter patrimonialista da formação histórica do Brasil (p. XIV). A noção de patrimonialismo, absorvida da obra de Faoro, funcionará como interpretação teórica do modelo da representação de interesses. O legado de Faoro fica bem claro quando Martins Filho afirma: “Nesse estudo, procurarei demonstrar que o desenvolvimento histórico de Minas, tanto na esfera econômica quanto na política, marcado que foi pela presença precoce de forte aparato estatal português, dificultou a articulação de interesses privados e levou ao estabelecimento de um sistema político do tipo patrimonial. Particularmente a partir da crise do setor cafeeiro que ocorreu nos últimos anos do século XIX, os principais processos e articulações da política mineira tiveram como foco de referência o patrimonialismo político. Em tal perspectiva interpretativa, uma hipótese central deste estudo ode ser assim formulado: a unificação da política mineira resultou, primordialmente, de amplo e abrangente processo de cooptação política de todos os grupos e facções que tinham algum poder de pressão dentro do Estado. Nesse processo, a representação consistente de interesses econômicos não desempenhou papel especial.” (p. 07).
O caráter patrimonial do Estado é definido pela indistinção da riqueza particular pública, argumento que permitiu a Faoro desfechar uma série de críticas, muito especialmente aos historiadores ligados ao marxismo ortodoxo, quando ataca a análise do “modo de produção” e os estudos sobre os “restos feudais” nos países subdesenvolvidos. Faoro deixa claro ser contrário à tese de retrocesso feudal no processo colonial. Para ele, o processo colonial é um capítulo da história do comércio europeu. Afirma, contra o argumento de feudalização do Brasil, que a empresa de plantação teve nítido cunho capitalista – dentro do capitalismo mercantil e politicamente orientado do século XVI português. Ainda em Os donos do poder, Faoro desenvolve seu argumento até a República, apontando o desenvolvimento das instituições como objeto dos interesses privados em detrimento de suas obrigações públicas, extensão dos primeiros capítulos de nossa colonização. Negando a máxima do marxismo de que o Estado é aparelho da burguesia (entende-se a burguesia econômica), demonstra que se formou no Brasil uma elite não necessariamente econômica – quer dizer ligada diretamente aos interesses econômicos –, mas que se profissionaliza em defesa de seus interesses.
Martins Filho, com menos fôlego, mas não com menos qualidade, irá seguir esse argumento. Primeira questão que levanta: diferente de São Paulo, a expansão do café, absorvida nas últimas décadas do século XIX não teve impacto direto na ascensão do Estado de Minas Gerais na política nacional. Minas só veio a se tornar ator político relevante no âmbito federal durante a grave crise do mercado internacional do café, na segunda década republicana (p. 02).
A posição da historiografia em relação à política do café-com-leite é de explicar a política “doméstica” de Minas a partir da tese da representação de interesses do setor cafeeiro que, supostamente, seria dominante no Estado. O estudo de Martins Filho é contrário às interpretações da historiografia tradicional: a política mineira não representava o setor cafeeiro ou qualquer outro interesse econômico específico do Estado, tornando possível construir uma bem sucedida coalizão no âmbito da política doméstica e, também, desempenhar papel estratégico na política nacional. Demonstra que na reorganização da política mineira e na negociação da aliança com São Paulo, a alegada força política dos cafeicultores mineiros está mais na esfera do mito do que no mundo dos fatos históricos (p. 06).
E será exatamente o que fará em todo o livro. Uma das lições mais simples e muitas vezes esquecidas, o discurso acadêmico é o de convencer o leitor da veracidade de uma hipótese. As ciências humanas têm a diferença, em relação às ciências naturais, de precisar exercitar muito mais a imaginação e a riqueza narrativa. As ciências naturais se orientam por “evidências que são apresentadas pela realidade e que podem ser testadas, refeitas e reproduzidas infinitamente”. Cabe a nós produzir imagens, encontrar vestígios de provas e ser julgados pelos nossos pares. Martins Filho realiza esse trabalho com perfeição e bem cercado de imagens. A grande massa de dados estatísticos dialoga perfeitamente como o texto, buscando responder a todas as questões que se colocou.
Finaliza seu trabalho afirmando que a chave do sucesso e estabilidade de todo o sistema de política patrimonial do Estado foi a construção de uma coalizão de todos os setores da elite estadual, que obteve legitimidade entre as classes médias e altas por meio de instrumentos clientelísticos de cooptação. Atividade política como fim econômico em si mesmo será a fonte direta e única de renda. Os membros da elite política mineira, por seu caráter não ideológico e pragmático da política, exemplificam o que Max Weber identificou como políticos profissionais, que viviam da política e para a política.
O verdadeiro segredo dos políticos mineiros foi o de primeiro descobrir e, depois, sedutoramente por em prática as virtudes da negociação e da conciliação (MARTINS FILHO, p. 237).
Ler O segredo de Minas foi deparar com uma idéia bem mineira, de que o simples não pode ser nunca “simplório”.
Minha crítica é centrada num fato que o autor e seu prefaciador tentaram explicar, mas ainda resisto em aceitar seus argumentos. A tese de Martins Filho (The white collor republic) foi defendida em 1986. Somente hoje, com o desenvolvimento de tecnologia de comunicação que podemos ter algum acesso facilitado a materiais acadêmicos de qualquer lugar do mundo. Foram precisos 23 anos, e acredito que muita insistência, para que seu estudo se tornasse viável ao público mais geral – insanos que estudam ou curiosos em pensamento brasileiro, Minas Gerais, Primeira República, etc.
Essa distância de pouco mais de duas décadas e sua pouca divulgação acabam levando a alguns erros. Um exemplo pode esclarecer o que quero dizer. O trabalho de Helena Bomeny (Guardiães da razão, 1994), resultado de sua tese de doutorado, faz categórica referência à tese de Martins Filho. Até mais do que isso: ela afirma que Martins Filho acompanha, exaustivamente, o processo de unificação da política interna mineira na primeira década pós-República, onde defende a tese de que é exatamente por não ter representado o interesse cafeeiro, ou especificamente qualquer outro interesse econômico, que a elite política mineira pôde construir uma forte coalizão interna e, ao lado da elite paulista, controlar a política nacional. Vale-se do conceito de patrimonialismo, construção típico-ideal weberiano para caracterizar aquelas situações em que a representação de interesses perde em força a dimensão para os mecanismos que se constroem na órbita do poder central. Bomeny, como se é de se esperar da grande pesquisadora que é, compreende muito bem o trabalho de Martins Filho. Em relação à idéia de mineiridade presente no trabalho de Martins Filho, Bomeny afirma que a sua interpretação se distingue da dele ao vincular a mineiridade à confluência de dois fenômenos históricos e a uma geração de intelectuais: a proclamação da República, a criação de Belo Horizonte, cidade planejada e construída no final do século XIX como nova capital de Minas Gerais, e a primeira geração modernista mineira. A tensão entre anseio cosmopolita e experiência provinciana é o tom da análise que se desenvolve pelos intelectuais da Rua Bahia, sendo a marca do que a autora chama de o duplo em confronto.
Lendo atentamente ambos os trabalhos, vejo mais complementaridade que distinção. Há claramente uma evolução (os historiadores relativistas irão se morder de ódio e me chamar de evolucionista por causa dessa palavra), uma “continuidade-complementar” (para diminuir a raiva de alguns) entre os trabalhos. Uma “continuidade-complementar” com um grande avanço, importante e necessário, em relação ao trabalho de Martins Filho.
Ao ler O segredo de Minas, terminei a última página tendo muito claro que estava em minhas mãos um trabalho digno de ser colocado junto aos clássicos, referência inquestionável para estudiosos do pensamento político e social em Minas Gerais. Mas ele não está limitado a um estudo puramente regionalista, é uma importante obra de referência sobre a Primeira República. Vou além, é uma obra de referência das ciências humanas em geral, e um exemplo a ser seguido. E a melhor forma de dar o devido respeito a um trabalho como o de Martins Filho é exatamente o confrontar com outros materiais. A análise quantitativa séria de seu livro deve ser confrontada com outros dados – quantitativos ou qualitativos – tão sérios quanto. E é exatamente o que realiza Bomeny ao trabalhar com dados qualitativos, dá continuidade, complementa e avança.
O livro de Ângela Alonso (Idéias em movimento, 2002), ao tratar da geração de 1870, segue outro argumento presente no estudo de Martins Filho, de que Minas se diferencia de São Paulo em relação a sua posição política por defender interesses de um Estado com uma economia de exportação local e não voltado ao mercado internacional. Não cabe aqui expor todo o argumento de Alonso, mas destacar que o seu trabalho sobre a política no Brasil e os políticos da Geração de 1870, vai corroborar no trabalho de Martins Filho ao mostrar que há uma permanência de fatores internos que levam ao fortalecimento do modo mineiro de se fazer política.
Estabeleço uma linhagem temporal precária, mas como exercício, sem qualquer perigo de desonra. Faoro e sua monumental obra em 1973. Martins Filho, em 1986, irá dar continuidade-complementar aos Donos do Poder, tratando de um tempo-espaço bem específico, Minas Gerais na Primeira República. Bomeny segue, em 1994, na clareira aberta por Martins Filho.
E aí fica a confusão, o livro é de 2009. Antes tarde do que nunca...

Referências:
ALONSO, Angela. Idéias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
BOMENY, Helena. Guardiães da razão: modernistas mineiros. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/Tempo Brasileiro, 1994.
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. 9ª. Ed. São Paulo: Globo, 1991. (2 volumes).
MARTINS FILHO, Amilcar Vianna. O segredo de Minas: a origem do estilo mineiro de fazer política (1889-1930). Trad. Vera Alice Cardoso Silva. Belo Horizonte: Crisálida/ICAM, 2009.


O início do fim do gene

Resenha: Evelyn Fox Keller. "O século do gene". Tradução de Nelson Vaz. Belo Horizonte: Crisálida, 2002. 208 pgs.

"Evelyn Keller tem a habilidade perturbadora de te fazer pensar de novo, do princípio, sobre coisas que você pensava já ter entendido." Com essa afirmação, o geneticista norte-americano Richard Lewontin, da Universidade de Harvard e um dos melhores especialistas em genética de populações, resume a importância do livro escrito por Keller, uma professora de história e filosofia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e também uma cientista. No Brasil, o livro foi muito bem traduzido e prefaciado por Nelson Vaz.
O livro começa com a origem da palavra gene, uma história pouco conhecida, mas muito importante pelas lições de filosofia da ciência nela contidas. Gene, palavra criada em 1909 pelo botânico e geneticista dinamarquês WilheIm johannsen (18571927), veio substituir as ‘gêmuIas’, unidades da hereditariedade criadas pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), adotadas no lugar dos ‘determinantes’ criados pelo biólogo alemão August Weismann (1834-1914), que, por sua vez, substituíram os ‘pangenes’ propostos pelo geneticista holandês Hugo de Vries (1848-1935).
Todas essas palavras estão ligadas de alguma forma a teorias da hereditariedade preformacionistas. Johannsen sabia que a teoria do preformacionismo estava errada. A palavra gene tinha a grande vantagem de não estar associada a qualquer teoria ou hipótese de hereditariedade. Com essa nova palavra, evitava-se o preconceito e assim abria-se a possibilidade do avanço do conhecimento científico nessa área.
Gene é a palavra que abre a possibilidade para uma revolução – revolução no sentido utilizado pelo filósofo norte-americano Thomas Kuhn (1922-1996), em que novas premissas (paradigmas ou teorias) requerem a modificação das antigas teorias e a reavaliação dos fatos conhecidos. Essa não é uma mudança fácil ou simples. A ela se opõe a comunidade científica estabelecida, pois são os integrantes dessa comunidade os criadores das teorias vigentes a serem testadas, até que apresentem fraquezas reconhecidas pelos cientistas.
A obra de Keller é um magnífico livro de história da biologia do século 20 em apenas quatro capítulos. A contribuição mais importante é a visão crítica, Iastreada em fatos concretos, do determinismo genético. A idéia de que as características dos seres vivos são determinadas por unidades hereditárias chamadas genes (determinismo genético) é demolida elegantemente, assim como o conceito de programa genético. Richard Lewontin critica o determinismo genético afirmando ser ele uma espécie de preformacionismo moderno. Sua postura radical encontra, de certa forma, amparo factual neste livro. O ‘gene’ das leis de Mendel existe, sem dúvida, mas é um tipo raro de gene, sempre que presente se expressa fenotipicamente da mesma maneira. Os genes mais freqüentes são aqueles de penetrância incompleta e expressividade variável.
No momento em que as técnicas moleculares de análise de DNA são de uso generalizado na maioria dos laboratórios e no momento em que é divulgada a seqüência de nucleotídeos do genoma humano, com promessas de grande avanço na área da genética, é oportuna e necessária a leitura da obra de Evelyn Keller. Este magnífico livro nos mostra os limites da análise genética e a inevitabilidade de olhar, além do gene, a célula, o organismo e seu ambiente, isto é, a complexidade.
As palavras, em certo sentido, são como os seres vivos, nascem em um dado momento, no qual o seu significado é único, mas com o passar do tempo acumulam outros significados, a ponto de obrigar os escritores a usar a palavra seguida de um ‘senso fulano’. Quando a confusão reina absoluta, é melhor que essa palavra morra, já que por ter tantos significados não significa nada.
Tenho recomendado a leitura desta obra a meus alunos e colegas. Para minha surpresa, recebi recentemente do biólogo Rogério Parentoni, do Departamento de Ecologia, da Universidade Federal de Minas Gerais, o livro O citoplasina e o núcleo no desenvolvimento do hereditariedade. O conteúdo vem resumido em três tópicos: (1) O gene-partícula não existe: (2) O cromossomo funciona como um todo; (3) O citoplasma desempenha papel mais importante do que o núcleo nos tenômenos hereditários. Essas afirmações, defendidas hoje por Lewontin e Keller, entre outros, foram propostas em 1941 por Salvador de Toledo Piza Júnior, professor de zoologia e anatomia comparada da Universidade de São Paulo. Na época, suas idéias foram consideradas extravagantes. Hoje, elas abrem novos caminhos, mas ainda é tempo de homenagear o professor Toledo Piza, o mais brilhante citogeneticista brasileiro.

por Ricardo Iglesias Rios

Instituto de Biologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro
publicado na Revista Ciência Hoje, maio de 2004.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010


A ciência parcial da palavra


por Leonardo Gonçalves


É possível que nunca o tema da Torre de Babel tenha surgido com tanta força como na atualidade. Vivemos num mundo onde as fronteiras não impedem o contato entre pessoas de diferentes nações e idiomas. A tecnologia digital nos possibilita uma aproximação que nenhum fabricante de lentes ou telefones jamais pôde supor. Essa proximidade tem algo de Babel, pois ao mesmo tempo em que se comunica, também se incomunica. E o próprio ato de comunicar-se, transforma-se facilmente em tormento, em desacerto, em erro.

Babel, de acordo com o Gênesis, significa “confusão”. O castigo para a audácia humana. A incomunicabilidade como punição para que o homem se disperse pelo mundo. No entanto, somos testemunhas de que a variedade lingüística não é empecilho para a comunicação. Os amantes, os internautas e os poetas sabem disto muito bem. E o contrário também acontece: pessoas de um mesmo idioma muitas vezes se compreendem mal. Os políticos, as famílias e muitos leitores de poesia conhecem isso de perto.

Se não é o idioma que separa a compreensão da incompreensão, haverá algo que o determine?

O poeta argentino Juan Gelman nasceu em Buenos Aires num contexto em que podemos encontrar muitos elementos de Babel: seus pais, judeus ucranianos, falavam russo, assim como o seu irmão mais velho que lia poemas de Vladímir Maiakovski no original para ele. Mas foi em castelhano portenho que Juan aprendeu a sentir e a expressar sua subjetividade. Tanto que hoje é considerado um dos poetas mais importantes do seu país e de sua língua em ambos os lados do Atlântico. Na entrevista incluída ao final do livro Com/posições, Gelman afirmou, citando Wilde, que “um mapa-múndi que não incluísse o país da utopia não valeria a pena ser visto”. Mas também afirmava que, em linguagem poética, essa utopia só merece aparecer quando ela coincide com a situação do coração.

Parece que desde sempre, a situação do coração de Gelman coincidiu com a “terna revolução”. Mas não apenas: o amor e a infância sempre estiveram presentes numa espécie de concomitância amorosa. Mas em 1976 dá-se o início da ditadura militar na Argentina. Intelectuais e artistas se unem para fazer frente ao governo autoritário. Pouco a pouco começam a desaparecer pessoas queridas. É um clima de incompreensão. O próprio poeta, depois de viver em diversos tipos de clandestinidade, se vê numa enrascada: é urgente sua saída do país. Mas ao sair, acaba por perder o filho e a nora grávida – raptados e assassinados pelos militares que estão no poder. E passa a um exílio que talvez dure até hoje. “É do infinito que estamos exilados”, diz Gelman em um de seus poemas.

Neste exílio, Gelman se vê obrigado a conviver com outros idiomas, pois passa a viver na Itália, na França e outros países da Europa. Apesar do clima de incompreensão (ou talvez por causa dele mesmo), continua escrevendo poesia. Ele diz: “Fomos carregando a derrota nas costas, e ela tem um peso enorme. Eu carregava sentimentos que exigiam de mim um determinado tipo de expressão, uma linguagem contundente, mais violenta, e não a encontrava. Além de exilado, eu estava proibido em meu próprio país, impedido de chegar ao público com o qual eu buscava o diálogo, ainda que à distância. E a necessidade de escrever aumentava, tornava-se desesperadora”.

Nesse contexto, Gelman publicou alguns de seus livros mais pungentes. Suas publicações do final dos anos 1970 e início dos 1980 (as que foram mais tarde reunidas como “Interrupções I” e “Interrupções II”) são o testemunho de uma época e de uma política violentas, que não podem ser esquecidas. Por isso, Juan Gelman passou a ser um dos autores favoritos dos presos políticos. Seus poemas eram sussurrados de cela em cela, decorados, repetidos, furando a censura e o sistema carcerário.

Um dos últimos livros desta fase chama-se “Com/posições” e foi publicado recentemente em português, na tradução de Andityas Soares de Moura. Não é um livro puramente autoral. Trata-se de uma obra híbrida. São traduções de poetas árabes ou judeus que vão dos salmos bíblicos de Davi a cantores da Espanha medieval. Mas os autores ali presentes são quase heterônimos. Recriações de vivências antigas, somadas às idiossincrasias e inventividades do tradutor-autor.

Os poemas de “Com/posições” são feitos de dor e de desespero. Mas principalmente: falas de homens exilados, repletas de ternuras. Palavras de homens que se negam a aceitar uma situação de mera vítima. Testemunhos da passagem de Juan a um mundo sem ingenuidades. Mas é justamente aí que Gelman subverte: seus poemas mais violentos estão repletos de uma ternura que beira uma certa inocência pungente: “me escorraçaram do palácio/não me importei/me desterraram de minha terra/caminhei pela terra/me deportaram de minha língua/ela me acompanhou/me separaste de ti/e os meus ossos se apagam/chamas vivas me abrasam/estou expulso de mim”.

No texto que abre a obra, Gelman diz: “Traduzir é inumano. Nenhuma palavra ou rosto se deixa traduzir”. Porém, Com/posições não deixa de ser um livro de traduções. Curioso é o fato de 20 anos depois um outro poeta de outro país e outra língua vir a se interessar por este livro e traduzi-lo. O propósito de Andityas Soares de Moura, no entanto, já é bem distinto: trata-se de uma obra que dialoga diretamente com a sua poética pessoal. De certa forma, ali também estão suas próprias idiossincrasias em forma de identificação e estas se manifestam em alta voltagem dentro da tradução. Traduzir poesia (isso é consenso entre os tradutores) é um modo de ler.

Poemas árabes e hebraicos traduzidos para o espanhol e estes por sua vez traduzidos para o português. Pedaços de um mundo caído, conflitos entre ocidente e oriente, urgência de traduções, incompreensões dentro ou fora da própria língua. Elementos que nos remetem o tempo todo à atualidade. Difícil não pensar em Babel. Afinal, o relato bíblico da torre desfeita por um deus ciumento situa a cena num lugar que é hoje conhecido como Iraque, região que nunca cessou de viver em conflito e que está se tornando colônia de uma grande potência. O novo conflito gira em torno da história de um prédio gigantesco e de uma incompreensão deliberada. Mas hoje não podemos mais recorrer ao Deus dos relatos antigos: não temos mais a graça divina para nos refugiarmos. A incomunicabilidade não é uma falta, mas uma presença. Ela é fruto de um não querer entender ou não querer se fazer compreendido. No entanto, comunicamos. As ferramentas da reconciliação podem estar em nossas próprias mãos. Como afirma o poeta, ainda uma vez, o que houve com a Torre de Babel foi isto: “Não discórdia essencial, mas ciência parcial da palavra”.

texto publicado originalmente no

www.salamalandro.redezero.org

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Blake por Willer

Canções da Inocência e da Experiência de William Blake [tradução, prefácio e notas de Mário Alves Coutinho e Leonardo Gonçalves. Editora Crisálida. Belo Horizonte. 2005]

por Claudio Willer

Desde o pioneiro Escritos de William Blake, preparado por Alberto Marsicano para a L&PM, apareceram outras edições brasileiras de sua obra. Mas ainda é pouco, diante da riqueza e complexidade desse poeta-profeta, messiânico, arcaico, e ao mesmo tempo atual, um precursor do Romantismo que passou a ser efetivamente lido a partir do Simbolismo. Por isso, é oportuna esta tradução dos seus Songs, ocasião para leitura ou releitura do Tigre e tantas outras de suas peças famosas.

Discípulo notório de Swedenborg e Jacob Boehme, Blake acrescentou-lhes um panteísmo e uma visão pagã de mundo. Para Elaine Pagels, em seu livro sobre evangelhos gnósticos, William Blake, observando esses retratos distintos de Jesus que aparecem no Novo Testamento, tomou o partido daquele que os gnósticos preferiam, no lugar da “visão de Cristo que vêem todos os homens”. Em apoio, cita trechos de The Everlasting Gospel, com sua relativização da percepção do Cristo:

Ambos lemos a Bíblia noite e dia,

Mas tu lês negro onde eu leio branco.

Mas Blake foi, mais que gnóstico, um criador de mitologias pessoais. Povoou o universo de divindades. Todas, é claro, alegorias. Demiurgos ou arcontes não faltam, em sua crítica à religião patriarcal. Um deles é Nobodaddy, o Pai-Ninguém, chamado de Pai do Ciúme que, silencioso e invisível, se esconde entre as nuvens, e cujas palavras e leis, interditando o fruto proibido, são escuridão e obscuridade. (cito da edição da The Oxford University Press dos poemas de Blake – tradução minha) Outro, Urizen, homófono de Your reason, You reason, ou Our reason. Em O Livro de Urizen, é o Demônio que engendrou a Eternidade descrita como Estranha, estéril, escura e execrável.

É como se O Livro de Urizen fosse uma combinação do Gênesis com o Apocalipse, na descrição dos embates do ensandecido Urizen com outros princípios criadores, o Eterno Profeta e Los, divindade primeira, derrotada, não antes de gerar Orc, o ser humano, de Enitharmon. Urizen por sua vez engendra contínuas aberrações: Thirel, Utha, Godna, Fuzon. Do pranto de Urizen nasce uma rede de lágrimas, a Rede da Religião, que por sua vez gera o esquecimento, a separação entre a esfera humana e divina. A visão de mundo desse poema é terrível:

a vida transcorre sob a égide da morte:

O Boi geme no matadouro

O cão no frio umbral.

(O Livro de Urizen foi traduzido por Alberto Marsicano em Escritos de William Blake, L&PM). Há mais personagens equivalentes aos arcontes do gnosticismo. Por exemplo, em Milton: Tudo tem seu Guardião, cada Momento, Minuto, Hora, Dia, Mês & Ano. […] Os Guardiões são Anjos da Providência em perpétua Vigília. E, em uma proliferação apocalíptica, em The Book of Los e The Four Zoas, entre outros de seus livros.

Contudo, há um limite para a associação do gnosticismo pessimista a Blake; e esse limite é traçado por aquela parte da sua obra que o tornou um autor cultuado por místicos modernos, pelos beat e pela contracultura: O Casamento do Céu e do Inferno, as Canções da Inocência e Experiência e um de seus textos especificamente teológicos, All Religions are One. Nelas, proclama a alegria de viver. Expressa a crença em uma síntese – o casamento do céu e do inferno, a reconciliação de Deus e Satanás, da razão e do prazer – através da experiência poética. Declara expressamente o monismo ao afirmar a unidade de corpo e espírito: o Corpo ou Forma Exterior do Homem é derivado do Gênio Poético, em All Religions are One. Argumenta na direção contrária à negação gnóstica do corpo, nas passagens famosas de O Casamento do Céu e do Inferno: Energia é a única força vital e emana do Corpo. A Razão é a fronteira ou o perímetro circunférico da Energia./ Energia é a Eterna Delícia. Panteísta, em O Casamento do Céu e do Inferno celebrou o mundo como coisa sagrada, e não como criação equivocada de um demiurgo rancoroso. Adamita, proclamou a inocência original da Humanidade e, ainda, a regência do mundo e da própria religião pelo Gênio Poético, equivalente ao Espírito da Profecia e ao pneuma, à energia primeira.

Uma interpretação para essa aparente oscilação em Blake, de um gnosticismo pessimista para um panteísmo otimista, pode ser dada à luz do seu pensamento político. Nesta nova edição brasileira das Canções, seus tradutores e prefaciadores, Mário Alves Coutinho e Leonardo Gonçalves, acentuam essa dimensão política e sugerem o Blake repórter, pela crítica social expressa em poemas como aqueles sobre os meninos limpadores de chaminés, explorados por seus empregadores: Ingênuo, místico, romântico (Blake é tido como um dos precursores do Romantismo): não seria mais apropriado dizer que Blake era um observador (talvez um repórter) extremamente realista, testemunhando e anotando as conseqüências e práticas da revolução industrial? Não seria ele, ao contrário de um louco, um narrador extremamente confiável dos horrores da implantação do capitalismo no primeiro país capitalista, a Inglaterra?

Por isso, afirmam, Blake …realizou poesia de altíssimo nível, mas foi também um magnífico repórter e historiador de sua importantíssima época histórica. Todas as mudanças, horrores e belezas estão lá registradas. […] Além do mais, Blake foi um ardente republicano, apoiando as revoluções francesa e americana (foi processado por seus “escritos sediciosos”, mas não chegou a ser penalizado devido a eles): na verdade, seu comportamento era anarquista e revolucionário, e confrontou em quase todos os momentos e quase todas as circunstâncias o crescente império inglês, como mostra David E. Erdman em Blake, Prophet Against Empire.

Ainda observam que… Seus escritos [de Blake] são anteriores a qualquer ideologia surgida na modernidade (anarquismo, socialismo, comunismo), seus livros proféticos têm muito a ver com aqueles deixados pelos profetas do Velho Testamento, que lutavam e esbravejavam contra a corrupção dos costumes do povo.

De fato, Blake precede, cronologicamente, até mesmo fundadores do socialismo utópico como Godwin e Fourier. Portanto, faltando-lhe um vocabulário propriamente político, de doutrinas que viram a ser formuladas ou que ainda estavam em preparação, utilizou categorias teológicas para fazer crítica social. Politizou liricamente o gnosticismo e o hermetismo, e os projetou na descrição da realidade que o cercava. Tomou emprestadas categorias e vocabulário dessas doutrinas, para descrever o mundo.

Por isso, foi simultaneamente arcaico, homem de seu tempo e inovador. Canções da Inocência e da Experiência é onde se encontram essas três dimensões. Pela qualidade da tradução e da edição, o leitor terá uma boa oportunidade para acompanhar o percurso desse repórter místico, e perceber o alcance e atualidade da sua rebeldia e aguda sensibilidade.

publicado originalmente na revista agulha #46

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O segredo de Minas: a origem do estilo mineiro de fazer política


'O Segredo de Minas' ganha finalmente tradução no país
por João Pombo Barile
[jornal O Tempo, em 01/08/2009]

É bastante conhecido o prefácio escrito por Antonio Candido para uma das edições de "Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Holanda. Nele, o mestre assinala os livros que foram fundamentais para que sua geração pudesse compreender o Brasil.

Segundo o crítico, além do livro de Sérgio, "Casa Grande e Senzala", de Gilberto Freyre, e "Evolução Política do Brasil", de Caio Prado Júnior, poderiam ser considerados como os livros mais importantes para compreendermos nossa "formação" como povo: as três obras fundamentais que, a partir da geração de Candido, serviram de bússola na discussão de nossa identidade nacional.

O prefácio de Candido é do final dos anos 60. E muita água já passou debaixo desta ponte. Muitos outros autores, depois da tríade assinalada por Candido, acabariam entrando na lista de "livros que interpretaram o Brasil". Ninguém que nunca leu Celso Furtado ou Darcy Ribeiro, para ficar em apenas dois nomes, pode dar o seu palpite do que seja ser brasileiro.

Sem medo de errar, considero O Segredo de Minas: A Origem do Estilo Mineiro de Fazer Política (1889-1930), de Amilcar Vianna Martins Filho, um dos livros que a partir de agora terá que necessariamente ser lido e citado para quem se interessa pela discussão de nossa formação.

Com a versão para o português da tese de doutorado de Amilcar, defendida em 1986, na Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, o leitor agora terá que reservar um espaço em sua estante para uma obra que deve ficar ao lado de autores como Sérgio, Gilberto, Caio, Furtado...

Dois temas

Conforme assinala José Murilo de Carvalho, professor titular de história da UFRJ, o livro de Amilcar enfrenta dois temas da historiografia que ainda estão longe de ser resolvidos empírica e teoricamente.

"O primeiro é mais tipicamente mineiro. Trata-se da natureza da economia do Estado ao final do século XIX e primeiras décadas do século XX", explica o historiador. "Contra a visão dominante que afirmava a preeminência do café, o autor documenta a crise dessa cultura e seu peso relativamente reduzido na economia mineira."

Já o segundo tema, sempre segundo José Murilo, teria um alcance mais amplo e trataria da relação entre a economia cafeeira e a política.

Enfrentando um lugar-comum, que sempre afirmou que a política de nosso Estado se caracterizaria pela representação dos interesses dos cafeicultores, Amilcar afirma que o surgimento do estilo mineiro de governar é fruto exatamente da crise cafeeira e da fragmentação da economia do estado. "O estilo mineiro de fazer política", escreve José Murilo, "conhecido nacionalmente como capacidade de articulação e negociação, seria fruto exatamente da ausência de qualquer hegemonia econômica no Estado e da presença de uma elite capaz de costurar divergências e usar a máquina de governo como dominação e cooptação políticas".

Escrito com rigor e precisão, o livro de Amilcar Vianna Martins combate o "achômetro" que tanto mal faz para as ciências sociais.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sangue mineiro na arte de fazer cinema II

Por Ailton Magioli

À exceção de Humberto Mauro, que se projetou nacionalmente, nenhum outro profissional teria exercido influência sobre a criação das novas gerações de cineastas mineiros. “E, mesmo assim, a exibição dos filmes de Mauro ainda continua restrita”, critica Paulo Augusto Gomes, de 59 anos, autor de Pioneiros do cinema em Minas Gerais (Editora Crisálida), que será lançado hoje [08/12/2008], em noite de autógrafos na livraria do Palácio das Artes. Atores, produtores e, sobretudo, diretores como Paulo são os protagonistas da obra, que chega para suprir a carência de literatura no setor. “Apesar de Igino Bonfioli ter dois longas-metragens preservados pela Escola de Belas Artes da UFMG, eles raramente são exibidos. Assim como alguns curtas de Artistides Junqueira e de Luiz Renato Brescia. A obra desses pioneiros, infelizmente, está praticamente perdida”, acrescenta Paulo Augusto, lembrando que Brescia foi o último dos realizadores da geração mineira que antecedeu a chegada do som na sétima arte.

Produto de uma longa e dedicada pesquisa do diretor de Idolatrada (1983) e O circo das qualidades humanas (2000, em co-direção), o livro de Paulo Augusto Gomes coloca os pioneiros em seu devido lugar na história da cinematografia mineira, destacando vida e obra de cada um, com introdução, entrevistas, imagens e conclusão. A análise crítica da produção, avisa o autor, fica para uma próxima publicação. Belo Horizonte ainda não havia ocupado o posto de nova capital de Minas Gerais quando o cinema chegou ao estado, via Juiz de Fora. Menos de dois anos após a famosa sessão que Louis Lumière realizou no Grand Café, de Paris, em dezembro de 1895, a cidade da Zona da Mata, conforme destaca o livro, tornava-se a primeira do estado a exibir o Cinematógrafo Lumière, em julho de 1987. Inaugurada a 12 de dezembro daquele ano, a capital mineira teve a sua primeira sessão de cinema em julho do ano seguinte.

Com a disseminação da novidade, os realizadores se espalharam por praticamente todo o estado, produzindo cinema desde o Sul (Guaranésia e Pouso Alegre) até a Zona da Mata (Cataguases e Juiz de Fora), passando pela região Central (Barbacena e Belo Horizonte). A presença maciça de imigrantes no meio – italianos, em maioria – segundo Paulo Augusto, se deve ao preconceito das famílias tradicionais, que não queriam ter um dos seus envolvidos com uma atividade marginalizada até então. Uma constatação, no entanto, o autor do livro não deixa de apontar: ainda se produz muito pouco cinema em Minas Gerais. “Fazer cinema é muito caro”, justifica Paulo Augusto Gomes, salientando que na época dos pioneiros a produção era mais barata. “Na entrevista que o José Silva me deu, ele diz que comprava negativo por tostões, que o positivo custava um pouquinho mais caro. Mas que nada era proibitivo”, recorda.

CHEGADA DO SOM

“O que alterou tudo foi a chegada do som, no final dos anos 1920. No Brasil inteiro, já que não havia justificativa econômica para montar laboratórios de som aqui em Minas ou no Rio Grande do Sul, mas apenas no Rio e São Paulo”, esclarece Paulo Augusto. Isso complicou terrivelmente a vida das pessoas ligadas ao cinema. “Francisco de Almeida Fleming, de Pouso Alegre, por exemplo, não sabia que Carlos Masotti filmava em Guaranésia, apesar de uma cidade ficar ao lado da outra ”, justifica Paulo Augusto. De acordo com ele, o primeiro profissional de cinema a voltar suas lentes para Minas Gerais foi o fotógrafo Raimundo Alves Pinto, de origem desconhecida, no início dos anos 1900. “De gente do estado propriamente dita, o primeiro foi Aristides Junqueira, nascido em Ouro Preto, que fez o curta-metragem Reminiscências, de 1909.”

Paulo Augusto destaca o espírito empreendedor de Francisco de Almeida Fleming: “Imagina um sujeito que, em 1925, resolve filmar Paulo e Virgínia, de Bernardin de Saint-Pierre e Manon Lescaut, um verdadeiro Romeu e Julieta passado em Madagascar. Como não havia palmeiras em Pouso Alegre, onde fez o filme, ele mandou arrancar 200 delas a mais de 100 quilômetros, transplantando todas para as filmagens.” De José Silva, diretor português radicado em Belo Horizonte, Paulo Augusto salienta o trabalho documental. “Foi o responsável pelos cinejornais da construção de Brasília. Como trabalhou com o Juscelino Kubitschek aqui em Belo Horizonte, foi chamado por ele para fazer os documentários sobre a nova capital federal”. O livro Pioneiros do cinema em Minas Gerais registra ainda a vida e obra de Paulo Benedetti, Igino Bonfioli, Clementino Doti, Carlos Masotti, Humberto Mauro, Pedro Comello, Manoel Talon, José Magalhães, João Carriço e Luiz Renato Brescia.

A idéia do livro surgiu por acaso, na 11ª edição do Festival de Cinema de Brasília, em 1978, quando ele se encontrou com Francisco de Almeida Fleming, homenageado no evento, e fez a longa entrevista reproduzida no livro. Além dos pioneiros então vivos (além de Fleming, José Silva, Clementino Doti, José Magalhães, Luiz Renato Brescia e Humberto Mauro), Paulo Augusto entrevistou colaboradores diretos dos já mortos na época (Aristides Junqueira, Carlos Masotti e Igino Bonfioli), em geral filhos e netos, e pesquisou a vida dos outro quatro profissionais de cinema (Paulo Benedetti, Manoel Talon, João Carriço e Pedro Comello), diante da ausência de colaboradores e familiares com os quais pudesse se encontrar.

Mais comentários sobre Pioneiros do cinema em Minas Gerais em:
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