terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sangue mineiro na arte de fazer cinema II

Por Ailton Magioli

À exceção de Humberto Mauro, que se projetou nacionalmente, nenhum outro profissional teria exercido influência sobre a criação das novas gerações de cineastas mineiros. “E, mesmo assim, a exibição dos filmes de Mauro ainda continua restrita”, critica Paulo Augusto Gomes, de 59 anos, autor de Pioneiros do cinema em Minas Gerais (Editora Crisálida), que será lançado hoje [08/12/2008], em noite de autógrafos na livraria do Palácio das Artes. Atores, produtores e, sobretudo, diretores como Paulo são os protagonistas da obra, que chega para suprir a carência de literatura no setor. “Apesar de Igino Bonfioli ter dois longas-metragens preservados pela Escola de Belas Artes da UFMG, eles raramente são exibidos. Assim como alguns curtas de Artistides Junqueira e de Luiz Renato Brescia. A obra desses pioneiros, infelizmente, está praticamente perdida”, acrescenta Paulo Augusto, lembrando que Brescia foi o último dos realizadores da geração mineira que antecedeu a chegada do som na sétima arte.

Produto de uma longa e dedicada pesquisa do diretor de Idolatrada (1983) e O circo das qualidades humanas (2000, em co-direção), o livro de Paulo Augusto Gomes coloca os pioneiros em seu devido lugar na história da cinematografia mineira, destacando vida e obra de cada um, com introdução, entrevistas, imagens e conclusão. A análise crítica da produção, avisa o autor, fica para uma próxima publicação. Belo Horizonte ainda não havia ocupado o posto de nova capital de Minas Gerais quando o cinema chegou ao estado, via Juiz de Fora. Menos de dois anos após a famosa sessão que Louis Lumière realizou no Grand Café, de Paris, em dezembro de 1895, a cidade da Zona da Mata, conforme destaca o livro, tornava-se a primeira do estado a exibir o Cinematógrafo Lumière, em julho de 1987. Inaugurada a 12 de dezembro daquele ano, a capital mineira teve a sua primeira sessão de cinema em julho do ano seguinte.

Com a disseminação da novidade, os realizadores se espalharam por praticamente todo o estado, produzindo cinema desde o Sul (Guaranésia e Pouso Alegre) até a Zona da Mata (Cataguases e Juiz de Fora), passando pela região Central (Barbacena e Belo Horizonte). A presença maciça de imigrantes no meio – italianos, em maioria – segundo Paulo Augusto, se deve ao preconceito das famílias tradicionais, que não queriam ter um dos seus envolvidos com uma atividade marginalizada até então. Uma constatação, no entanto, o autor do livro não deixa de apontar: ainda se produz muito pouco cinema em Minas Gerais. “Fazer cinema é muito caro”, justifica Paulo Augusto Gomes, salientando que na época dos pioneiros a produção era mais barata. “Na entrevista que o José Silva me deu, ele diz que comprava negativo por tostões, que o positivo custava um pouquinho mais caro. Mas que nada era proibitivo”, recorda.

CHEGADA DO SOM

“O que alterou tudo foi a chegada do som, no final dos anos 1920. No Brasil inteiro, já que não havia justificativa econômica para montar laboratórios de som aqui em Minas ou no Rio Grande do Sul, mas apenas no Rio e São Paulo”, esclarece Paulo Augusto. Isso complicou terrivelmente a vida das pessoas ligadas ao cinema. “Francisco de Almeida Fleming, de Pouso Alegre, por exemplo, não sabia que Carlos Masotti filmava em Guaranésia, apesar de uma cidade ficar ao lado da outra ”, justifica Paulo Augusto. De acordo com ele, o primeiro profissional de cinema a voltar suas lentes para Minas Gerais foi o fotógrafo Raimundo Alves Pinto, de origem desconhecida, no início dos anos 1900. “De gente do estado propriamente dita, o primeiro foi Aristides Junqueira, nascido em Ouro Preto, que fez o curta-metragem Reminiscências, de 1909.”

Paulo Augusto destaca o espírito empreendedor de Francisco de Almeida Fleming: “Imagina um sujeito que, em 1925, resolve filmar Paulo e Virgínia, de Bernardin de Saint-Pierre e Manon Lescaut, um verdadeiro Romeu e Julieta passado em Madagascar. Como não havia palmeiras em Pouso Alegre, onde fez o filme, ele mandou arrancar 200 delas a mais de 100 quilômetros, transplantando todas para as filmagens.” De José Silva, diretor português radicado em Belo Horizonte, Paulo Augusto salienta o trabalho documental. “Foi o responsável pelos cinejornais da construção de Brasília. Como trabalhou com o Juscelino Kubitschek aqui em Belo Horizonte, foi chamado por ele para fazer os documentários sobre a nova capital federal”. O livro Pioneiros do cinema em Minas Gerais registra ainda a vida e obra de Paulo Benedetti, Igino Bonfioli, Clementino Doti, Carlos Masotti, Humberto Mauro, Pedro Comello, Manoel Talon, José Magalhães, João Carriço e Luiz Renato Brescia.

A idéia do livro surgiu por acaso, na 11ª edição do Festival de Cinema de Brasília, em 1978, quando ele se encontrou com Francisco de Almeida Fleming, homenageado no evento, e fez a longa entrevista reproduzida no livro. Além dos pioneiros então vivos (além de Fleming, José Silva, Clementino Doti, José Magalhães, Luiz Renato Brescia e Humberto Mauro), Paulo Augusto entrevistou colaboradores diretos dos já mortos na época (Aristides Junqueira, Carlos Masotti e Igino Bonfioli), em geral filhos e netos, e pesquisou a vida dos outro quatro profissionais de cinema (Paulo Benedetti, Manoel Talon, João Carriço e Pedro Comello), diante da ausência de colaboradores e familiares com os quais pudesse se encontrar.

Mais comentários sobre Pioneiros do cinema em Minas Gerais em:
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