segunda-feira, 1 de março de 2010

Reedições de Machado de Assis




Duas obras de Machado de Assis foram reeditadas pela editora Crisálida. A coletânea de prosa e verso Queda que as mulheres têm pelos tolos e outros textos e o emblemático livro de poemas Chrysalidas, com a grafia da edição original. Os dois livros são resenhados nesta edição pelo crítico literário Fernando Py.

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Temos em mãos duas reedições de Machado de Assis: Chrysalidas (Belo Horizonte: Livraria Crisálida Ltda., 2000, 120p.) e Queda que as mulheres têm para os tolos e outros textos (Belo Horizonte: Livraria Crisálida Ltda., 2003, 88p.; pesquisa e organização de Oséias Silas Ferraz). Convém dizer algumas palavras sobre ambos.
A editora reproduz a grafia da edição original de Chrysalidas (1864), primeira coletânea de poesia do nosso Machado; o organizador informa que corrigiu apenas os evidentes erros tipográficos, mantendo rigorosamente o texto da edição princeps. Assim, o leitor terá condições de ler o volume tal como apareceu em vida do autor, pois a presente edição é a única reedição integral de
Chrysalidas que já se fez, sem os cortes e alterações de palavras e versos que Machado operou quando da publicação das Poesias completas (1901).
Ao escrever as 29 peças de
Chrysalidas, Machado de Assis ainda estava preso à poesia romântica; porém seu romantismo se afastava bastante de alguns postulados da escola, pois o poeta já manifestava a tendência de aperfeiçoar a métrica, ou seja, colocava-se numa posição um tanto precursora do nosso Parnasianismo. Utilizando de preferência o verso alexandrino, antecipava uma das constantes dos futuros parnasianos; seu cuidado com a métrica e o comedimento com a expressão que atinge por vezes a elipse, em "Ocidentais" fizeram-no muito respeitado entre os jovens que, desde os anos 1870, buscavam maior rigor tanto na forma como na maneira de expressar-se.
Contudo, Machado era ainda romântico, principalmente no que diz respeito ao sentimento de evasão, tão comum no Romantismo. Poemas como “Visio”, “Stela” e “Horas vivas” são exemplos de fuga para o sonho, ao passo que em “Musa consolatrix” a própria poesia serve-lhe de fuga. De todo modo, a poesia de Machado de Assis, ainda em seus começos, já mostrava uma certa insatisfação diante da realidade, o que só fez acentuar-se com o tempo.
Queda que as mulheres têm para os tolos e outros textos é uma coletânea de prosa variada, findando com o mais perfeito soneto que Machado já escreveu: “A Carolina”, em memória da esposa, falecida em 1904. Os demais textos são artigos de crítica, ensaios e um conto (“Teoria do medalhão”, p. 69). Observe-se que esta edição também respeita a ortografia da época empregada por Machado.
Ao publicar em volume Queda que as mulheres têm para os tolos (1861), o editor deu-o como “tradução do Sr. Machado de Assis”. O fato levantou dúvidas e durante muito tempo houve quem julgasse que o texto era do próprio Machado. Somente no ensaio Machado de Assis traducteur (edição mimeo, s/d., 1970?), o pesquisador francês Jean-Michel Massa consegue provar que a obra é de fato uma tradução de "De l'amour des femmes pour les sots", texto anônimo publicado em 1859 em Liège e em Paris, atribuído a um certo Victor Hénaux. Um dos motivos do engano da crítica sobretudo de Lúcia-Miguel Pereira foi que, segundo ela, a Queda já mostrava, em esboço, a “Teoria do medalhão”, um dos contos mais característicos da última fase de Machado. Contudo, sabemos hoje, aquilo era unicamente uma questão de afinidade...
As peças ensaísticas aqui reunidas estão entre as mais importantes de Machado: “Ideal do crítico”, de 1865, é um pequeno ensaio que aborda as condições necessárias para que se exerça crítica; por sua vez, em “Literatura brasileira Instinto de nacionalidade” (1873), temos um Machado de Assis que buscava examinar em que medida as nossas letras dispunham de um caráter especificamente nacional; ambos os textos mostravam que Machado tinha plena consciência não só do papel do crítico, mas também de que uma das exigências para a nossa literatura seria o que denominava “instinto de nacionalidade”, que a poderia distinguir das demais literaturas do mundo. Na crítica, Machado pode não ter deixado uma obra tão importante como a de sua ficção, mas é evidente que soube situar, desde a juventude, a função primordial do crítico literário.
“Elogio da vaidade” é uma “fantasia”, escrito que lembra Erasmo a partir mesmo do título. Trata-se de uma proposopopéia em que a Vaidade assume a palavra e faz o próprio elogio, chegando por fim à conclusão, aparentemente paradoxal, de que a maior vaidade é a vaidade da modéstia.
De certo modo, isto nos leva ao conto “Teoria do medalhão”: um pai, na noite do aniversário do filho, passa a instruí-lo na maneira de comportar-se em sociedade, ensinando-lhe hábitos, formas de se destacar, “como instrumento de luta para a conquista do prestígio” (
Augusto Meyer. Machado de Assis. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1958, p. 67.). E remata de modo altamente revelador, dizendo que aquela conversa “vale o Príncipe de Macchiavelli” (p.80). É uma peça bem própria de Machado, e está intimamente ligada não apenas ao conto “O espelho”, como quer Augusto Meyer (1958), mas a diversos outros, tornando-se, desse modo, um texto emblemático.
A edição da Crisálida é meritória por mais de uma razão. E não será descabido afirmar que preenche uma lacuna, pelo simples fato de colocar novamente em circulação alguns textos mal conhecidos do maior escritor brasileiro de todos os tempos.

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Fernando Py
é poeta, tradutor e crítico literário.
Texto publicado em: http://migre.me/lPpD
[Texto publicado na versão impressa de Poiésis - Literatura, Pensamento & Arte, nº 110, maio de 2005, pág. 10]


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