domingo, 21 de setembro de 2008

Matéria publicada no jornal O Tempo, 21/09/2008

Foi publicada no Jornal O Tempo, hoje, a seguinte matéria sobre o livro Machado de Assis Tradutor de Jean-Michel Massa.


Duas vezes machado de assis

"Pela documentação e pelo espírito, os estudos de Jean-Michel Massa e John Gledson fazem parte, destacada, da crítica brasileira, embora um seja francês e outro inglês". As palavras do crítico Roberto Schwarz dão bem a dimensão da importância dos dois estudiosos ouvidos pelo Magazine nesta edição que lembra o centenário de morte do escritor. Massa, com seus dois estudos, lançou luz num período pouco conhecido do escritor: os anos de sua formação. Já Gledson, com seu trabalho de recuperação das crônicas escritas por machado, derrubou de vez o mito de um escritor desinteressado com as questões de seu tempo.

João Pombo Barile

O francês Jean-Michel Massa esteve na semana passada em Belo Horizonte e conversou com exclusividade com o Magazine. Depois de ter participado, em São Paulo, do Simpósio Internacional Caminhos Cruzados: machado de assis pela Crítica Mundial, o professor veio até a capital mineira para lançar "Machado de Assis Tradutor" (Editora Crisálida R$ 24). Segunda parte de seu livro "A Juventude de Machado de Assis", publicado no início dos anos 70, no título que agora chega às livrarias Massa analisa o papel fundamental que a tradução teve na formação do escritor brasileiro. "Meu livro sobre a juventude de Machado ainda hoje me parece interessante", começa analisando o professor. "Apesar de eu ter escrito muita coisa sobre ‘Memórias Póstumas’ e ‘O Alienista’, por exemplo, acho que o período da juventude, que eu descobri, agora está se manifestando ainda mais importante" avalia o professor.

Publicado em 1971, "A Juventude" apresentava um Machado totalmente diferente do que até então a crítica brasileira havia consagrado. Retratado sempre como uma espécie de milagre pelos analistas tupiniquins, Massa batia de frente com a visão romântica, que apresentava o escritor de "Dom Casmurro" como um homem pobre, epilético e gago. "Muitos críticos brasileiros esquecem, ainda hoje, que Machado foi criado pelos proprietários da fazenda do Livramento, no Rio. E que ele foi uma espécie de neto adotivo", conta o professor. "Como naquela época as pessoas cultas falavam quase só francês - em todas as cortes aliás só se falava francês -, Machado aprendeu francês muito jovem. E não com uma senhora francesa, dona de uma padaria chamada Gallot, como escreveu erradamente certa vez um crítico. Esta padaria nunca existiu! Aliás, não é numa padaria, com o padeiro, que se pode aprender o francês da maneira como ele já sabia aos 20 anos", constata.

Para Massa, a imagem do jovem Machado pobre e doente de epilepsia é absolutamente falsa. "Como um jovem que ia praticamente todos os dias ao teatro, recitava poemas em público, namorava todas as atrizes e tinha uma vida de farras podia ser epilético e gago?" , pergunta o professor. "Uma coisa absolutamente sem cabimento". Em "Machado de Assis Tradutor", ao analisar de maneira sistemática o importante trabalho de tradução do escritor brasileiro, o crítico francês derruba um outro mito criado pela crítica brasileira: o verdadeiro conhecimento de línguas de Machado. "No livro mostro, por exemplo, que quando em 1871 Machado traduziu ‘Oliver Twist’, de Charles Dickens, todos sabiam que ele havia feito sua versão a partir de uma edição francesa. Na época, existiam quatro traduções e Machado fez toda a tradução baseado em uma delas", afirma o professor.

Obras completas. Massa, que participa desde a sua criação, na década de 60, da Comissão Machado de Assis para a edição das obras de referências do autor, se mostra indignado quando o assunto é a obra completa do escritor. "Se o presidente Lula estivesse aqui, eu revelaria a ele um problema muito sério: um terço das obras de Machado foram publicadas em livro apenas uma vez e estão fora de circulação há dezenas de anos", denuncia. "Vários ministros da Cultura do Brasil já prometeram que as obras completas seriam publicadas. Mas até agora, nada", finaliza.

Um retrato extraordinário do grande escritor

Silviano Santiago
Crítico e escritor

A obra de Massa fez época, em particular porque tratou de período pouco, ou em nada, conhecido da vida de Machado: a infância e juventude. Seu maior valor reside no aspecto biográfico e, não, no analítico. As biografias que tínhamos até então negligenciavam ou escamoteavam os dados iniciais da vida e, principalmente, a ascendência africana de Machado. Massa conseguiu descobrir uns retratos extraordinários de Machado jovem (com evidentes traços e cabelos negróides) em bibliotecas e coleções particulares de Portugal. Naquela época, era comum o contato epistolar entre escritores brasileiros e portugueses. Na maioria das vezes, havia troca de retratos (mania francesa, se não me engano). Os retratos puseram por terra os outros, posteriores à ABL, onde Machado se apresentava praticamente branco.

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