sábado, 19 de dezembro de 2009

Sebastião Nunes revisita Adão e Eva

Nosso homem em Sabará
(João Pombo Barile - Jornal "O Tempo")

"Em Sabará? Mas é longe demais". A reclamação que ouvi, da editoria de fotografia aqui do jornal, assim que pedi uma foto do escritor Sebastião Nunes, me fez pensar no isolamento voluntário de um dos mais interessantes escritores da literatura brasileira contemporânea. Na época do online e dos grandes eventos literários - onde trombamos com novos escritores o tempo todo numa velocidade ridícula -, o isolamento de Tião surpreende. O homem é, definitivamente, contra o marketing.
Por isso o lançamento, hoje, de "Adão e Eva no Paraíso Amazônico" é uma excelente oportunidade para simplesmente vermos o Tião. No livro, o escritor faz uma seleção dos 50 mais representativos textos publicados por ele neste Magazine, onde é o cronista de domingo desde 2001.
Para falar sobre o livro, o Magazine conversou com Tião. Confira, a seguir, os melhores trechos da entrevista.
. O Tempo: Durante várias décadas, tivemos gente como Braga, Drummond, Bandeira, Paulo Mendes, Sabino escrevendo, ao mesmo tempo, nos nossos jornais. Hoje a situação é bem diferente. Como anda a crônica brasileira?
Tião Nunes: Acho que a crônica brasileira está como sempre esteve. Um gênero chegado ao entretenimento, contando casos do cotidiano e, às vezes, tentando ir um pouco além. Há alguns anos tentei ler um livro com as 200 melhores crônicas do Rubem Braga. Sabe que não consegui? Ganhei autografado outro do Fernando Sabino, e não fui muito longe. Enfim, talvez crônica seja isso mesmo, um texto ameno, sem pretensão à literatura séria, um divertimento. E isso não é ruim, pode ser até ótimo, ajudar a criar leitores, a despertar interesse em escrever e por aí vai. O saldo me parece bem positivo, só que tem gente demais escrevendo, daí a falta de qualidade em muitos.

. Você lê crônica?
Tião Nunes: Leio principalmente, e por incrível que pareça, crônicas sobre futebol, mas também sempre estou passando pra ver o que os colegas estão fazendo. Mas preciso ser sincero: minha curiosidade não vai além dos cronistas deste nosso jornal, O TEMPO, inclusive você e o Júlio, que estão fazendo uma dobradinha ótima. O que mais gosto aqui é a variedade de estilos e linguagens. Mas dos outros jornais não tenho paciência pra ler, nem na internet.

. As crônicas publicadas no novo livro são de difícil definição. Como escreve o escritor Fabrício Marques "na crônica-ensaio de Tião não há qualquer tipo de limite, nem ao menos de estilo literário, tanto em poesia como em prosa, que vai do lírico ao satírico e até à denúncia". A ausência de fronteiras entre os gêneros é uma característica da sua literatura?
Tião Nunes: Acho que sim, mais porque não tenho um estilo definido, sou também "um escritor sem estilo", como se autodefine Millôr. Seria incapaz de escrever um romance, até já tentei, mas não saiu nada, sempre muda alguma coisa na linguagem depois de dez ou 20 páginas. O único texto longo que consegui escrever - umas 20 páginas - é uma peça teatral, aliás chatíssima, que apelidei de "Republinclame" e é uma paródia da "República", de Platão, com Socratião e Plautião num diálogo dos mais descozidos sobre democracia, inclame, panderoso e mauserável, ou seja, minhas categorias sociais. E ainda sobre a ficção que se chama, um tanto forçadamente, de democracia, esse mito criado pelas oligarquias.

. Essa ausência de fronteira seria uma característica de nossa época?
Tião Nunes: Sinceramente não sei. Existe muito romance por aí, inclusive é moda livros enormes para jovens, mas com estilo bem simples, frasezinhas curtas, diálogos primários, acontecimentos palpitantes e movimentação extenuante, mas sem muita criatividade no conjunto. Talvez a grande característica de nossa época, em literatura e no resto, seja a descartabilidade, aquilo que se lê (ou se usa) uma vez e se joga fora. O consumismo e o desperdício vieram para ficar e não vejo saída ou solução para esse devoracionismo todopoderoso de tudo o tempo todo.

. Você sempre combateu a hegemonia da indústria cultural que centraliza a chamada "vida inteligente" no Rio e em São Paulo. Como vê esta centralização hoje? Piorou? Melhorou?
Tião Nunes: Melhorou só no sentido em que não é mais preciso sair de Minas nem de lugar nenhum. Qualquer lugar é o mundo todo. Mas a centralização é e será sempre uma questão econômica. O Rio, uma cidade belíssima com uma população egocêntrica e chatíssima, continua ditando parte das regras porque tem a Rede Globo, que controla a "sabedoria" nacional. Ou alguém vai me dizer que não é a Globo (bem, tem as outras redes televisivas também) que cria opinião e formula respostas para as perguntas que ela mesmo faz? O mundo hoje é um mundo de papagaios, que repete o que as TVs mandam repetir. Pensar se torna cada vez mais um raro privilégio. Já São Paulo é o centro econômico e isso diz tudo. Ou quase tudo, porque acho o mineiro (embora menos que cariocas e nordestinos) um tremendo preguiçoso. Mas não sei se isso é ruim. A essa altura da vida não sei mais nada. Será que vale a pena brigar por alguma coisa, mesmo que sejam dignidade ou ética? Trabalhar feito louco numa profissão idiota, isso eu sei que não vale nada. Os paulistas fazem isso. Mas eles também trabalham muito no que, do meu ponto de vista, vale a pena, como arte ou ciências. Resumindo, Rio e São Paulo controlam mais da metade dos meios de comunicação, difusão cultural e edição, seja lá do que for. Assim, é razoável que, enquanto o resto do país não reagir, tudo continuará como está. Sinto mesmo, porque tenho muitos amigos nordestinos, que eles, os nordestinos, cultivam um tremendo complexo de inferioridade em relação a nós, mineiros, e ainda maior em relação a cariocas ou paulista. Como mudar isso, sentindo-se inferior?

. Em geral, você se mostra bastante cético em relação aos festivais de literatura. É possível ser conhecido hoje sem ser marqueteiro?
Tião Nunes: Atualmente nem quero mais saber. Escolhi um nicho, me fixei nele, tenho um punhado de amigos e companheiros na mesma linha, acho isso suficiente. O diabo é que todo mundo hoje, em literatura, está tomando a atividade como meio de vida, como não era antes. Todos tinham um emprego e escreviam nas horas vagas. Parece que hoje só existe uma atividade e um interesse: o de ser vendido, conhecido, premiado, badalado. Não é nem um pouco saudável, claro, por isso mesmo todos estão ficando parecidos e os mais bem-sucedidos acabam sendo bem fraquinhos, como sempre foi.

. Além de escrever os textos para o Magazine você também ilustra. Poderia falar um pouco dessa "união" texto e gravura?
Tião Nunes: É aquela velha história do ovo e da galinha. Um nasce primeiro, o outro é consequência. Sempre foi assim que fiz porque tenho interesses muito variados. Com o computador passei a me divertir muito mais do que antes porque ficou muito mais fácil unir as duas coisas.

. Você se interessa por literatura brasileira contemporânea?
Tião Nunes: Sendo muito sincero e nada original, chega um momento na vida que é o tempo da releitura. Não dá pra entrar numa livraria e ficar garimpando novidades, como fiz dos 20 aos 30 anos. Recebo muita coisa, uns dois ou três que prestam e o resto absolutamente descartável. Às vezes abro um livro que me surpreende, mas é cada vez mais raro. Enquanto o miolo vai ficando mole, a curiosidade (e o espanto) decai.

. Você é também editor. Como anda o mercado editorial brasileiro?
Tião Nunes: O escritor perdeu a briga com o editor, uma coisa que sempre foi meio parelha. Tendo o livro virado mercadoria, hoje estamos cheios de editores semianalfabetos decidindo o que publicar, quase sempre besteira, seja para crianças pequenas, jovens ou adultos. As multinacionais entraram aqui com a faca, o queijo e a fome. Das brasileiras, umas engolem as outras. Repete-se aqui o fenômeno dos Estados Unidos da concentração quase total, peixes grandes devorando os pequenos e os pequenos engolindo os miudinhos. No fim, a uniformidade se torna a regra. Acabo tendo um certo nojo da coisa toda, principalmente ao verificar como os distribuidores se tornaram importantes, muito mais que os escritores. O mundo então é de quem vende mais, e não mais de quem escreve bem. Mas será que algum dia foi? Ou só o tempo decide o que fica e o que vai pro lixo?

. Por fim uma pergunta no estilo "Caderno B" do "JB": se você fosse para uma ilha e pudesse levar só cinco livros, que livro você levaria?
Tião Nunes: Eta perguntinha difícil! Mas acho que dá pra responder: "Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski; "O Castelo", de Kafka; "Ulisses", de Joyce; as obras completas de Simenon com o detetive Maigret; "Vidas Paralelas", de Plutarco; "Obra Poética", de Fernando Pessoa; "Asterix, o Gaulês" (todos os álbuns). Acabei escolhendo sete, mas que fazer? E ainda ficou faltando muitos outros. "Dom Quixote", de Cervantes, que talvez em outro momento viesse em primeiro lugar.

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