quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Leitores e livrarias

Na minha experiência como livreiro, umas das maiores satisfações é poder conversar com pessoas que gostam de livros. De quaisquer livros, mesmo aqueles com os quais não lido profissionalmente. Quem gosta de livro sabe como é bom falar sobre livros antes e depois de lê-los. [Durante a leitura, não. Aí é preciso um pouco de isolamento. No máximo a leitura de trechos para bons ouvintes. Mas esses são raros.]

Coisa curiosa é a dificuldade que os leitores têm para encontrar interlocutores em livrarias. Aqueles que procuram uma livraria para conhecer, escolher, falar sobre e até mesmo comprar um livro ficam numa posição complicada.

Cheguei à seguinte conclusão: o livreiro é o único setor de comércio ou serviços em que o consumidor entende muito mais do que o vendedor. As exceções só confirmam o fato.

Em um restaurante, mesmo o garçon sabe explicar em detalhes o preparo de cada prato. Numa concessionária de veículos, o sujeito fala até babar sobre todas as particularidades dos carros existentes ou ainda por fabricar. Uma loja de roupas ou de cosméticos é uma consultoria de moda e cuidados pessoais. Lojas de material para construção mantêm atendentes que sabem mais detalhes sobre sua casa do que você jamais pensou.

Mas o leitor que entra numa livraria precisa saber se virar sozinho. E evitar ser atrapalhado por um atendente. Se pedir um exemplar da "Poética" de Aristóteles pode receber a seguinte resposta: "Aristóteles de quê? Nosso cadastro é pelo sobrenome do autor."
[Isso não é piada, mas transcrição fiel da resposta que recebi de atendente de distribuidora de livros.]

Os atendentes da grande maioria das livrarias no Brasil têm uma curiosa característica: não são leitores. E não digo que não são leitores sofisticados. Não, simplesmente não têm o hábito de ler. Não têm curiosidade em conhecer o produto com o qual trabalham.

Nas distribuidoras de livros acontece o mesmo. Mesmo nas editoras a realidade não é muito diferente, descontada a área de produção editorial: quem trabalha na área comercial ou administrativa não conhece o produto que a empresa oferece aos seus consumidores.

Qual o motivo para esse desencontro entre quem procura e quem oferece livros? Baixo nível de escolaridade dos trabalhadores da base do mercado editorial-livreiro? Baixos salários, que não atraem pessoas com melhor formação? Falta de interesse das empresas para selecionar pessoas que gostam do produto que comercializam? "Mundices da lua" de quem gosta de livro, que não pensa em mudar de lado do balcão?

Talvez um pouco disso tudo e outras coisas mais. O sucesso de livrarias que investem na formação de atendentes-leitores e no recrutamento de leitores para atuarem como atendentes mostra que há soluções possíveis.

O comércio eletrônico de livros acaba funcionando como uma forma de auto-serviço, em que o leitor depende menos do atendimento. Mas também tem lá suas armadilhas, pois depende do correto cadastramento dos dados do livro pelo vendedor.

2 comentários:

Adriana Gragnani disse...

Pois é. Meu pai chegou num sebo, certa vez, e perguntou se tinham um Código Penal. Ao que o atendente disse: o Penal não tenho. Mas tenho o Civil.

Laerson Gonzaga disse...

Eu, do lado de cá dos leitores, tenho mais prazer em procurar sozinho os livros pelas prateleiras. Acontece que em muitas lojas esta opção não é garantida. Valeu Ozéias, gostei das suas palavras a respeito